O Poder Terapêutico das Lágrimas: os benefícios do choro na nossa vida
Enquanto choramos, ruminamos nossos sentimentos, nossas frustrações, processamos experiências difíceis de digerir. A tempestade cede lugar à calma que se instala e recuperamos nosso equilíbrio
Ao nascer, todos choram e todos sentem a mudança brusca de um mundo aquático imerso no líquido amniótico, no calor, na escuridão e segurança do útero materno, para um mundo aéreo iluminado e inseguro onde passamos a respirar. O nascimento mexe profundamente com todos os nossos sentidos. Esse choro ecoa como nosso primeiro som emitido ao chegar neste novo mundo envolto em ar.
Ele ajuda a expandir os pulmões e permite que o oxigênio vital à vida se expanda pelo corpo. Esse primeiro choro é também a expressão de nossa fragilidade e necessidade de criar vínculos de afeto com quem nos rodeia. E assim, ao longo de nossas vidas, as lágrimas sempre surgem em momentos especiais e com inúmeras funções: lubrifica nossos olhos, reagindo ao que nos irrita e expressa emoções em momentos significativos.
Sua composição química varia quando exprimimos alegria ou tristeza. Tem uma função bem mais ampla do que uma ação fisiológica. Elas revelam nosso estado de espírito. Elas são uma resposta emocional e expressam sentimentos do nosso ser profundo, aos múltiplos desafios que passamos ao longo da vida. Nossas lágrimas trazem alívio de emoções reprimidas, promovendo um sentimento de relaxamento que facilita o descanso durante o sono, reduz o estresse e o sofrimento emocional.
Elas liberam toxinas que nos adoecem se guardadas por muito tempo. Literalmente lavam nossa alma, liberam hormônios como a oxitocina e as endorfinas, substâncias geradoras de bem-estar. O choro também pode reduzir a pressão arterial, diminuir o ritmo cardíaco e auxiliar o corpo a recuperar o equilíbrio após um pico de emoção.
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Enquanto choramos, ruminamos nossos sentimentos, nossas frustrações, processamos experiências difíceis de digerir. A tempestade cede lugar à calma que se instala e recuperamos nosso equilíbrio.
O choro, ao longo de nossa vida, demonstra a vulnerabilidade da vida humana e será sempre um apelo a um colo protetor e acolhedor. Ele abre as portas do coração, quebra as barreiras da indiferença e do orgulho, diminui as distâncias e nos aproxima de nossa humanidade e da necessidade de dar e receber apoio e colo nos momentos difíceis. Ele será sempre uma parte saudável da convivência humana e jamais deve ser motivo de vergonha ou interpretado como fraqueza.
O que a sabedoria popular nos diz sobre as lágrimas?
As lágrimas que os olhos não vertem, vertem os órgãos. Este provérbio ressalta a importância de expressar emoções e sentimentos. Quando reprimimos nossas lágrimas e emoções, essas energias podem se manifestar no corpo em forma de doenças ou desconfortos físicos, mostrando a ligação entre o emocional e o físico.
Esse provérbio nos alerta sobre o impacto emocional e físico das emoções não expressas, das palavras reprimidas, não ditas. Quando não conseguimos ou não permitimos que nossas emoções, especialmente a tristeza, sejam externalizadas através do choro, essas emoções podem encontrar outras formas de se manifestar no corpo, muitas vezes de maneira mais dolorosa ou prejudicial.
Quando não exprimimos e reprimimos nossas emoções, como decepções e raivas, elas se imprimem em nosso corpo com somatizações como dores de cabeça persistentes, problemas digestivos e dores musculares. O corpo pode chorar de outras maneiras. Ele reforça a ideia de que é importante reconhecer e respeitar nossos sentimentos, permitindo-se chorar e desabafar, para evitar que emoções reprimidas prejudiquem nosso bem-estar físico e mental.
Chorando, as pessoas conseguem processar experiências dolorosas e ressignificar os acontecimentos. É um momento terapêutico oportuno para lidar com perdas ou frustrações e, assim, reduzir sentimentos de angústia e ansiedade.
Chorar limpa a alma. O choro é visto como uma forma de purificação interna, trazendo alívio e bem-estar após a expressão das emoções, seja de tristeza ou alegria.
Quem não chora não mama. Este provérbio populariza a ideia de que é preciso expressar necessidades e emoções para ser atendido. Assim como o bebê chora para receber alimento e cuidados, os adultos também devem se permitir demonstrar vulnerabilidade para receber apoio.
Lágrima de dor, lágrimas de amor. A lágrima está presente tanto nos momentos de sofrimento quanto nos de felicidade intensa, mostrando que o choro faz parte da experiência humana em seus extremos emocionais.
As lágrimas são as palavras que o coração não consegue dizer. Este provérbio evidencia que, muitas vezes, as emoções profundas não podem ser expressas por palavras, e as lágrimas se tornam o canal natural para sua liberação.
Enquanto existem pessoas que choram muito, outras têm muita dificuldade de deixar que as lágrimas corram. Aquelas que são como “manteiga” estão sempre se derretendo em lágrimas, são as pessoas muito sensíveis e, portanto, mais vulneráveis aos efeitos nocivos do estresse. Já aquelas que nunca choram, em contextos profissionais, podem ser uma tentativa de se proteger, demonstrar força, equilíbrio e autocontrole emocional.
Sabemos também que emoções reprimidas podem impactar negativamente a saúde física, contribuindo para doenças psicossomáticas. Pedir ajuda, mostrar emoções, especialmente por meio de lágrimas, exige coragem e maturidade, porque envolve se abrir, se vulnerabilizar e aceitar que não somos perfeitos ou invulneráveis.
Se não demonstro minha vulnerabilidade humana por meio de palavras ou lágrimas, posso dificultar a empatia e a conexão com outras pessoas, tornando as relações menos profundas. Se sempre demonstro força e determinação, passo uma imagem de que não preciso de ajuda, que sou forte. E isso a longo prazo pode gerar isolamento e solidão.
Como posso receber apoio se vendo uma imagem de durão, de forte? Uma vida sem reciprocidade, cedo ou tarde, nos adoece. O importante é criar espaço para reconhecer, sentir e expressar emoções de forma saudável, buscando ajuda profissional sempre que o choro, ou a ausência dele, interferir na qualidade de vida. Chorar faz bem à saúde, se for uma expressão natural e equilibrada das emoções.
Portanto, não há motivo para reprimir o choro — permitir-se sentir e expressar emoções faz parte de uma vida saudável e plena. Em culturas machistas, há uma ideia de que homens não devem chorar ou que chorar é sinal de fraqueza. Essa visão é equivocada e prejudicial, pois suprimir emoções pode levar ao acúmulo de ansiedade, depressão ou problemas de saúde física.
Chorar é um sinal de força e equilíbrio emocional e não de fraqueza. É uma forma saudável de expressar o que sentimos e cuidar de nossa saúde emocional. Aceitar e mostrar nossas emoções é um passo importante para o bem-estar e o autoaperfeiçoamento.
Na mitologia e cultura gregas, cada pérola que emergia das profundezas oceânicas era criada no instante em que uma divindade, tocada por uma emoção intensa — fosse alegria, tristeza, compaixão ou lamento —, deixava cair uma lágrima.
Assim, as pérolas tornaram-se objetos raros, carregados de energia sagrada e de uma ligação entre o divino e o humano, como se cada uma guardasse em si um fragmento do sentimento divino. Usar uma pérola era, então, carregar consigo um vestígio do divino, uma recordação das lágrimas dos deuses, seja de compaixão ou de júbilo.
Dessa forma, as pérolas não eram somente adereços de luxo, mas relíquias poéticas que uniam o universo dos mortais ao reino dos imortais, lembrando-nos de que até mesmo o divino pode ser sensível às emoções. Neste sentido, há poder, beleza e verdade no simples ato de deixar as lágrimas correrem.
Nos poemas da poeta, filósofa e psicóloga brasileira Viviane Mosé, o choro aparece não somente como sinal de dor ou sofrimento, mas como um gesto de potência e autoconhecimento, um caminho para o reencontro consigo, com a humanidade e com o divino. Ela fala das lágrimas como um rio de água que liberta, purifica e que leva embora aquilo que pesa na alma.
As lágrimas são descritas como pontes entre o visível e o invisível, entre o corpo físico e as emoções mais sutis. O “visível” representa o que as pessoas podem ver, as lágrimas rolando pelo rosto, enquanto o “invisível” simboliza os sentimentos profundos, lembranças e emoções que vêm do nosso ser profundo.
Assim, ao permitir que as lágrimas fluam, conectamos o que está em nós (emoções, dores, alegrias) com o mundo exterior, tornando visível aquilo que é sutil e íntimo. Desse modo, as lágrimas servem como um elo entre os nossos sentimentos mais profundos, a expressão física desses sentimentos, e uma mensagem para o contexto em que vivemos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.