No distrito de Paripueira, em Beberibe — onde está localizada a quinta maior população de galinhas e produção de ovos do País —, o início da tarde parece transcorrer em outro tempo. O povoado de Palmeiras, como é conhecido, se recolhe.

Da praça onde fica a igreja matriz, com sua arquitetura eclética típica do interior, o silêncio é quebrado pelas vozes das crianças que, de dentro da Escola Municipal Doutor José Thêmio Bezerra, contam em coro até 20, a poucos passos dali.

Foto da escola na comunidade
Legenda: Durante o dia, o silêncio da comunidade só é quebrado pelas vozes infantis que vêm da escolinha local
Foto: Kid Jr. / SVM

São quase 14 horas de uma quarta-feira de maio. Como a colheita dos cajueiros anões só acontece entre junho e julho, atualmente não há trabalho rural intenso na região. Essa é a principal fonte de renda de parte dos residentes mais antigos, segundo relatos dos próprios moradores. 

Imagem mostra as casinhas coloridas da comunidade
Legenda: No início da tarde, o pequeno comércio permanece vazio, aguardando a chegada dos trabalhadores das granjas que ainda retornarão pela região
Foto: Kid Jr / SVM

Enquanto isso, muitos jovens estão trabalhando em granjas da região. Isso ajuda a explicar o clima pacato que reina na comunidade durante o dia. Durante o horário de almoço, alguns estabelecimentos comerciais fecham temporariamente, enquanto outros permanecem abertos até o fim do dia, aguardando o retorno dos trabalhadores.

A classe operária que aquece a economia local evidencia a importância de Beberibe como um dos principais polos do setor avícola no Ceará. O município abriga duas das maiores empresas do segmento: a Tijuca Alimentos e a Atlântica Agroindustrial, do grupo SL, que também detém a marca Granja Regina.

Essa última chegou à vizinhança de Paripueira há cerca de 10 anos, provocando mudanças na dinâmica econômica do povoado.

Granja vista do alto
Legenda: A granja fica em área isolada de Beberibe para garantir condições sanitárias adequadas
Foto: Divulgação / Granja Regina

Antes disso, muitos jovens deixavam o distrito após concluir o ensino médio, indo para Fortaleza em busca de emprego. Lá, enfrentavam o alto custo dos aluguéis e a distância da família, conforme relatam os moradores. 

O autônomo José Monteiro, de 59 anos, vive na comunidade há 28 anos e acompanhou de perto essas mudanças. “Muita gente foi embora para procurar trabalho, mas não era fácil. Um assalariado na Capital não vive tão bem quanto aqui, onde muitos ainda têm seu pedaço de terra”, recorda.

Morador encostado em uma casinha antiga. Ele é um home branco, grisalho e veste uma camisa laranja
Legenda: José Monteiro mora há 28 anos no povoado de Palmeiras
Foto: Kid Jr / SVM

O comerciante Danilo Rufino, de 33 anos, também relembra o êxodo vivido por muitos de seus amigos. “Os meninos não tinham emprego e precisavam ir para Fortaleza. Aqui, só havia as plantações de caju, mas elas só davam renda de seis em seis meses. Então, eles iam embora para conseguir trabalhar. Com a chegada da granja, puderam começar a ficar por aqui”, conta.

Rufino também conseguiu permanecer e dar continuidade à mercearia do avô, um estabelecimento que há 50 anos integra o cotidiano local. Nos últimos tempos, as vendas melhoraram na pequena loja, a qual oferece de tudo um pouco: do café à cachaça.

Um homem jovem encostado na muro da lojinha. Ele veste uma camisa amarela e short branco, além de usar óculos escursos
Legenda: O aumento do fluxo possibilitou que Rufino desse continuidade à mercearia da família, que já tem 50 anos de história na comunidade
Foto: Kid Jr / SVM

Assim como ele, a comerciante Naelly dos Santos, de 22 anos, também sente os reflexos positivos da economia local. Seu negócio de roupas e maquiagem se mantém, em grande parte, graças à renda gerada pelos trabalhadores das granjas.

"O fluxo mudou porque as pessoas agora podem vir comprar mais, né?", observa. Sua irmã gêmea, inclusive, trabalha em uma das granjas da região.

Uma mulher está sentada de costas em uma escrivaninha. Ela tem cabelos cacheados e veste uma camisa de time de futebol
Legenda: Enquanto a irmã gêmea trabalha na granja, Naelly optou por investir no próprio negócio, aproveitando o aumento do movimento na comunidade
Foto: Kid Jr / SVM

Segundo a Atlântica Agroindustrial, 110 pessoas trabalham na fábrica localizada em Beberibe, exclusivamente na produção de ovos, sendo a maioria oriunda da própria comunidade. A empresa também atua na criação de frangos de corte e na produção de suínos, cujos produtos são comercializados sob a marca Granja Regina.

Já o Grupo SL, responsável pela administração dela, bem como da Pole Alimentos e da Integral Mix, emprega mais de 4 mil funcionários no Ceará e mantém três unidades industriais no estado.

Com uma área de 400 hectares e um plantel de aproximadamente 1 milhão de aves em Beberibe, a Atlântica Agroindustrial se destaca pela produção diária de cerca de 700 mil ovos. A companhia também possui unidades operacionais nos estados do Piauí, Maranhão e Minas Gerais.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Rural de Beberibe, Alexandre Belém, a Tijuca Alimentos emprega cerca de 4 mil pessoas no município, considerando todas as atividades desenvolvidas pelo grupo.

Trabalhadores selecionando ovos em uma fábrica
Legenda: Na Atlântica Agroindustrial, 110 pessoas trabalham na granja localizada em Beberibe, exclusivamente na produção de ovos, sendo a maioria oriunda da própria comunidade
Foto: Kid Jr. SVM

O povoado de Palmeiras exemplifica bem a importância da avicultura (produção de aves e ovos) como uma das principais atividades econômicas de Beberibe.

Conforme mencionado no início desta reportagem, o município ocupa a quinta posição no Brasil em número de galinhas e também é o quinto maior produtor de ovos do País (ver infográfico abaixo), segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Por que Beberibe é um dos maiores produtores de ovos do País 

Galinhas em uma granja
Foto: Kid Jr / SVM

A economia de Beberibe é baseada principalmente na agropecuária, com destaque para a cajucultura, a avicultura e a carcinicultura, além do turismo, impulsionado pelas belas praias da região. Segundo o IBGE, o município lidera o Produto Interno Bruto (PIB) do setor agropecuário no Ceará, respondendo por 3,7% do total estadual.

O presidente da Associação Cearense de Avicultura (Aceav), João Jorge Reis, explica que Beberibe se tornou uma cidade atrativa para a avicultura devido à oferta de terrenos mais acessíveis há algumas décadas, à disponibilidade de água para a manutenção dos plantéis e à boa logística para o escoamento da produção.

O secretário Alexandre Belém concorda com essa avaliação e destaca uma série de fatores que favorecem o desenvolvimento do setor no município.

“Há a questão estrutural: o município conta com uma boa distribuição da rede elétrica. Além disso, possui uma estrada totalmente asfaltada — a CE-040 — que garante acesso direto a outros estados. Do ponto de vista logístico, é um município bem localizado e com boa infraestrutura”, afirma.

Para o presidente da Atlântica Agroindustrial, Victor Lima, a facilidade de acesso à mão de obra é mais um ponto positivo da região.

Trabalhador seleciona ovos em uma esteira. Ele veste uniforme branco e está de costas
Legenda: A produção de ovos é um dos principais pilares da economia de Beberibe
Foto: Kid Jr / SVM

“Beberibe está próximo de Fortaleza, onde mantemos uma fábrica de ração em Messejana, a apenas 85 km. Isso nos coloca perto do nosso principal mercado, que é a Capital, e, ao mesmo tempo, em uma área isolada o suficiente para garantir condições sanitárias adequadas. Além disso, o município conta com boas estradas, acesso facilitado, energia disponível e não enfrentamos dificuldades relacionadas à força de trabalho”, enumera. 

O grupo SL é composto pelas empresas Atlântica Agroindustrial, Pole Alimentos e Integral Mix. Dentre as marcas, estão Granja Regina, Merci, Gostosinha e Integral Mix.

Setor deve expandir ainda mais

Profissional embalando ovos
Legenda: Tendência é de crescimento do setor
Foto: Kid Jr / SVM

De acordo com o presidente da Aceav, João Jorge Reis, a tendência é de que o setor continue crescendo nos próximos anos, embora em um ritmo mais lento, após a forte expansão recente.

“Acreditamos que o consumo per capita de ovos deve aumentar para 365 unidades por ano, o equivalente a um ovo por pessoa por dia. No entanto, esse crescimento deve ocorrer de forma mais gradual do que nos últimos anos, período em que os supostos riscos à saúde foram desmistificados”, afirma. 

Atualmente, o consumo per capita de ovos no Brasil é de 269 unidades por ano, o que representa um crescimento de aproximadamente 47,8% em relação a uma década atrás, quando era de 182 unidades anuais, conforme a Associação Brasileira de Proteína Animal (Apa). 

Segundo as fontes consultadas, o recente aumento no preço dos ovos não deve reduzir o consumo, uma vez que se trata de um alimento mais acessível em comparação às carnes, cujo encarecimento costuma levar os consumidores a buscar alternativas.

Os ovos, por sua vez, continuam sendo uma opção viável mesmo em contextos de elevação nos preços. De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, a inflação do ovo de galinha acumula alta de 22,42% na Grande Fortaleza até abril deste ano.

Entre as causas desse reajuste, está desequilíbrio entre oferta e demanda no mercado internacional, provocado, em parte, pela ocorrência de surtos de gripe aviária em países como os Estados Unidos.

No Brasil, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou, nessa quinta-feira (15), o primeiro caso de gripe aviária identificado em uma granja comercial no Rio Grande do Sul.

Apesar da confirmação do caso, o Mapa afirma que a gripe aviária não é transmitida pelo consumo de carne de frango ou ovos. Os produtos de origem avícola que passam por inspeção continuam seguros para o consumo, sem necessidade de restrições na alimentação.

Segundo o órgão, o risco de contágio em humanos é baixo e está ligado, principalmente, ao contato direto com aves infectadas. 

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