O que está por trás do sucesso das 'Shopees do Centro' em Fortaleza?

Há dez anos, o jovem Ce Liang saiu da província de Anhui, entre as dez mais populosas da China, para acompanhar os pais em uma viagem ao Brasil. A família chegou a Fortaleza, no Ceará, e nunca mais voltou.
Os pais de Ce Liang, que trabalhavam em uma loja de variedades na cidade natal, viram em Fortaleza a oportunidade de montar o próprio negócio. A região do Centro foi a escolhida para receber a loja de bolsas e mochilas importadas.
“Viemos diretamente para Fortaleza. Foi tudo do zero. Meus pais trabalhando muito para ter o que a gente tem hoje. Eu terminei os estudos aqui e acabei me interessando também pela área do comércio”, lembra.
Veja também
Hoje com 25 anos, Ce Liang toca o próprio negócio, também no ramo de produtos importados. Ele e o sócio têm quatro lojas em Fortaleza, entre elas a NewShop Presentes e a Fácil Atacado.
Embora não tenham nenhuma relação com as plataformas de vendas online, as lojas que vendem importados asiáticos se popularizaram nas redes sociais como ‘shopees do Centro’.

Diferentemente do negócio dos pais, nichado em bolsas, as lojas geridas por Ce Liang apostam em uma grande diversidade de produtos.
Corpos térmicos, utensílios de cozinha, eletrônicos, decorações, brinquedos, produtos para pets, louças e cerâmicas estão entre as centenas de mercadorias vendidas pela ‘verdadeira Shopee de Fortaleza’ - como a Fácil Atacado se denomina.
“A gente busca trazer produtos de qualidade, ao mesmo tempo, mantendo um preço acessível para nosso cliente fiel. Conseguimos muitos clientes com essa variedade, temos uma atualização bem rápida”, comenta Ce Liang.
O sucesso deve levar a loja a uma nova região: uma loja da Fácil Atacado será instalada na Avenida Bezerra de Menezes, no bairro Presidente Kennedy.
.jpg?f=16x9&h=432&w=768&$p$f$h$w=f806349)
_Easy-Resize.com.jpg?f=16x9&h=432&w=768&$p$f$h$w=ece3373)

De modo geral, os produtos têm a mesma origem e preço competitivo que os do e-commerce, mas a compra é presencial. Os produtos ofertados também variam conforme a sazonalidade, se adaptando ao Natal, Carnaval e à época de volta às aulas, por exemplo.
Esse tipo de negócio já representa 30% dos estabelecimentos do Centro da Capital, estima a Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL Fortaleza). O boom das lojas de importados conseguiu reverter, em parte, o movimento de esvaziamento de ruas tradicionais da região.
“Na rua Floriano Peixoto, próximo à Praça do Ferreira, por exemplo, cerca de 40% das lojas estavam fechadas. Aí chegou esse modelo de preço único, loja de bazar, e tomou conta. Agora não tem uma loja fechada”, avalia Assis Cavalcante, presidente da CDL Fortaleza.
SEMELHANÇAS COM A RUA 25 DE MARÇO
Assis Cavalcante aponta que, com a procura crescente por produtos importados, o Centro da capital alencarina pode se tornar semelhante à avenida paulista 25 de março - uma das regiões mais conhecidas pelo comércio popular.
Grandes redes varejistas brasileiras, como C&A, Renner e Americanas, fecharam suas unidades no Centro nos últimos anos - sendo o espaço da C&A ocupado por uma grande loja de importados. A região também vem sofrendo perdas de pequenos negócios tradicionais.
Assis Cavalcante avalia que a mudança no perfil da região comercial não é negativo.
“Essas lojas estão ocupadas, gerando emprego, imposto, renda. Isso é positivo, mas há uma mudança. Antigamente, as pessoas passavam no Centro e reconheciam os donos das lojas. Não tem mais isso”, afirma.
Uma das lojas de importados que se instalou recentemente na região é a PowerLXB, administrada por, Leilihong Lee. Ela administrava um negócio na 25 de março, mas optou por deixar São Paulo para se instalar na Capital há cerca de um ano.

“Lá era muito mais difícil. Muitas lojas parecidas, com a mesma mercadoria. Aqui também está ficando bem concorrido, mas as vendas estão aumentando”, explica. A loja vende bolsas e mochilas de diversos estilos, óculos e acessórios.
Natural de Hangzhou, na China, ela veio para o Brasil acompanhar o marido e entrou no mundo do empreendedorismo. “Na China, minha família toda trabalha como médico. Aqui, todos têm lojas. Estamos muito melhores no Brasil”.
Além do clima ameno e das praias, Leilihong se encantou pelo Brasil devido ao grande acolhimento e receptividade.
“Eu gosto muito de Fortaleza, do Ceará, as pessoas são muito boas. Trabalho muito, mas tem valido a pena. Eu moro no Meireles, e aos domingos costumo ir para a praia relaxar”, comenta.
NEGÓCIOS SE ENQUADRAM COMO PEQUENAS EMPRESAS
A maioria das lojas de importados se enquadra no segmento de pequenas empresas, destaca Cid Alves, presidente do Sindilojas Fortaleza. Ele estima de 90% desses negócios atuam de forma regularizada, com processos na Junta Comercial e na Receita Federal.
"Eles não procuram o sindicado, preferem permanecer praticamente anônimos, não aparecem muito. Mesmo que não seja procurado, o sindicato está a disposição para a categoria", comenta.
João Barbosa, especialista em Atendimento Empresarial do Sebrae, explica que, de modo geral, os estrangeiros devem constituir a empresa como sócio quotista ao lado de um brasileiro como um sócio-gerente.
Ele explica que há dois principais desafios no processo de constituiçao das empresas: a obtenção da inscrição estadual na Secretaria da Fazenda do Ceará e a abertura de conta bancária, que tende a ser mais criteriosa para estrangeiros.
"Outro cuidado na constituição de empresa com sócio estrangeiro é consultar a Secretaria da Fazenda Estadual, esse processo deverá passar pela sua validação. Orientamos que é importante fazer o planejamento tributário para saber qual a melhor forma de tributação para o negócio", aponta.
Veja também
O QUE TORNA ESSAS LOJAS TÃO POPULARES?
O crescimento das lojas de produtos importados é consequência de diferentes elementos econômicos. A compra presencial ganhou força ultimamente, em detrimento da aquisição direta em sites estrangeiros, devido às mudanças nas regras de imposto de importação, explica Ulysses Reis, professor da Strong Business School.
Desde agosto de 2024, todas as compras realizadas em sites internacionais têm incidência do imposto de importação, aumentando o valor total das transações. Até então, havia isenção para compras de até US$ 50 - cerca de R$ 270.
Com o fim da isenção, as compras de até US$ 50 em plataformas que integram o Remessa Conforme, programa da Receita Federal, têm incidência de imposto de importação de 20%. Ulysses Reis aponta que a taxação inibiu principalmente os compradores de menor poder aquisitivo, que costumam fazer pesquisa de mercado para optar pelo melhor preço.
“Se a pessoa comprar por sites de produtos importados, também enfrenta a demora para entrega. Primeiro, devido à distância. Segundo, pela questão do desembaraço aduaneiro. Quem tem pressa, não vai optar por comprar nos sites. Se o produto importado da China demora a chegar e tem imposto, torna-se mais interessante comprar em lojas físicas”, acrescenta.
A busca pelo menor preço também é o que torna os produtos importados mais competitivos que os produzidos nacionalmente. “Os produtos nacionais não têm como competir com os importados. A carga tributária é uma das maiores do mundo, na área da indústria. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)”, avalia Ulysses.

O professor aponta que a indústria nacional não recebe os devidos incentivos em modernização e mão de obra para chegar ao patamar dos países asiáticos. Devido à menor produtividade, o preço médio dos produtos brasileiros se torna maior.
O preço final também é encarecido pela ‘ineficiência da infraestrutura brasileira’, explica Ulysses. Enquanto a China tem uma malha de transporte marítimo eficiente, exportando seus produtos até mesmo por outros países, as indústrias brasileiras enfrentam problemas para transportar seus produtos internamente.
“Péssimas estradas atravessam o país. E as poucas estradas em condições boas, têm valores altos de pedágio. O que outros países fazem? Investem em transporte ferroviário. Há pouco investimento em transporte ferroviário, o que aumenta os custos para os empresários”, explica.
DEMANDA DOS PRÓPRIOS CLIENTES
A mercadoria é produzida na China, enviada de navio a São Paulo e transportada para Fortaleza. Esse é o fluxo seguido pelos produtos vendidos pela Xin Qi Variedade.
São três lojas com uma grande variedade de produtos, todas na Rua General Sampaio, a poucos metros de distância. Apesar da proximidade, não há problema de concorrência interna, o movimento é constante, garante Meni Chen, que administra o negócio ao lado dos pais
A chinesa de 25 anos chegou a Fortaleza há 10 anos, acompanhando a família, que começou a empreender com uma loja focada em bijuterias. A diversificação dos produtos foi uma demanda dos próprios clientes.
“Vendiamos só bijuterias, depois começaram a perguntar por que não vendiamos bolsas. Depois perguntaram por que não vendíamos mochilas. Depois maquiagem. E assim foi indo”, lembra Meni Chen.
Ela ressalta como viu a região se transformar nesse período. As buscas por produtos 'estilo Shopee' e pelo preço de atacado cresceram, assim como a vinda de compatriotas para empreender.
Há dez anos, éramos poucos chineses aqui em Fortaleza. As pessoas pediam para tirar foto comigo, era algo diferente. Agora está mais comum.
Meni Chen decidiu se juntar aos pais no negócio após concluir os estudos e aprender português. Mesmo com saudades da terra natal, ela se adaptou ao modo cearense de empreender.
“Lá na China, eu gostava de aprender a fazer todo o trabalho. Aqui, estou aprendendo a deixar as pessoas a fazer”, conta.
OFERTA DE PRODUTOS
Ofertar 'tudo' na mesma loja é importante porque esse tipo de produto e enquadra nas compras de conveniência - em que o cliente não perde tempo comparando diferentes lojas, explica Claudia Buhamra Romero, especialista em varejo e comportamento do consumidor.
“Nessa categoria que você compra por facilidade, você não vai perder tempo procurando. O custo da busca é maior que o benefício encontrado. Não tem muita diferença entre marcas, os preços são muito parecidos”, aponta.
Os 'baratinhos' das lojas do Centro se diferenciam de perfumes e roupas importadas, por exemplo, que tem qualidade e origem avaliadas de forma criteriosa.
Claudia pondera que o preço baixo é um dos principais fatores de compra, mas não é o único. Os negócios de importados podem atrair consumidor além do previsto pela segmentação de renda.
“Se eu penso na segmentação comportamental dos consumidores, eu tenho pessoas com mais renda tanto no shopping como no Centro. Posso ter pessoas com bastante condição econômica que vai sentir prazer em comprar nas lojinhas de importados”, afirma.