Perfuração pode ter sido gatilho para tragédia em Brumadinho, diz estudo espanhol
Relatório elaborado por universidade da Espanha aponta causas do rompimento da barragem
A perfuração de um ponto crítico da Mina Córrego do Feijão pode ter produzido o fenômeno de liquefação do solo (transição da massa para o estado líquido) responsável por provocar a tragédia de Brumadinho, em Minas Gerais. A conclusão é de estudo da Universitat Politécnica de Catalunya (UPC), da Espanha, por meio do Centro Internacional de Métodos Numéricos en Ingenieria (CIMNE), realizado a pedido Ministério Público Federal (MPF).
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Em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem espalhou toneladas de rejeitos de minério de ferro pela região e deixou 261 mortos. Mais de dois anos depois, nove pessoas ainda estão desaparecidas. Neste sábado (3), o corpo de mais uma vítima foi encontrado.
O relatório final da universidade catalã indica que o perfil do solo no local da perfuração era "especialmente desfavorável" e que o fenômeno ocasionou a sobrecarga da estrutura, sendo o principal "gatilho" para do acidente.
>> Leia o relatório na íntegra
A mineradora Vale S/A afirma que não houve indicativo prévio à ruptura" (ler nota completa abaixo).
Conforme o estudo, "é incontroverso que o rompimento da Barragem I envolveu o fenômeno do fluxo por liquefação". O processo, aponta o documento, está associado ao aumento da 'poropressão' (pressão de fluídos).
Assim, esclarece, a resistência ao cisalhamento (tensão gerada por forças de sentidos opostos) é reduzida à medida que a tensão efetiva no solo se aproxima de zero.
"Apenas materiais contráteis estão sujeitos à liquefação. A liquefação está intrinsecamente relacionada ao comportamento frágil não drenado do solo”, continua o texto.
"O conjunto de análises numéricas realizadas permite concluir que a perfuração do furo B1-SM-13 é um potencial gatilho da liquefação que ocasionou o rompimento da barragem", conclui o estudo.
Como o estudo chegou a tais conclusões
Para chegar a essas conclusões, o CIMNE/UPC realizou diversas simulações. Dentre elas, o desenvolvimento de um modelo numérico o mais próximo possível da realidade e as informações disponíveis da barragem foram examinadas criticamente.
Também foram considerados detalhes como a história da construção da barragem, registros pluviométricos (com extensão de mais de 40 anos) e movimentações de superfície da barragem nos anos imediatamente anteriores ao rompimento.
Vale financiou estudo
A contratação do CIMNE/UPC para o estudo foi definida em acordo celebrado entre o MPF e a mineradora Vale S/A, que assumiu os custos para a realização das atividades da instituição espanhola. A escolha da UPC ficou a cargo exclusivo do órgão com o auxílio da Polícia Federal (PF).
O que diz a Vale
Confira nota da mineradora enviada ao G1 na íntegra:
"A Vale, desde o início das investigações, vem colaborando com as autoridades, tendo inclusive celebrado um termo de cooperação com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, para que fossem contratados peritos da Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha, uma das mais renomadas do mundo, a fim de analisarem o acidente ocorrido em 25 de janeiro de 2019 com a Barragem I em Brumadinho.
Esse estudo, assim como outros já realizados, concluiu que não houve nenhum indicativo prévio à ruptura da estrutura, que se deu de forma abrupta.
Esse estudo também atesta que teria havido uma conjugação particularmente desfavorável de circunstâncias no momento e no local em que se fazia a perfuração do 13º poço vertical por uma empresa especializada, operação essa que se destinava à instalação de equipamentos mais sofisticados para leitura do nível de água no interior da barragem e à coleta de amostras, sendo que sem essa perfuração, a barragem, nas condições específicas em que se encontrava (inclusive paralisada há mais de 2 anos), segundo as simulações matemáticas realizadas para um período de 100 anos, permaneceria estável.
A Vale reafirma seu profundo respeito para com as famílias impactadas direta e indiretamente pelo rompimento da barragem e continuará colaborando com as autoridades, aguardando a conclusão do inquérito para a devida manifestação nos autos por intermédio de seu advogado, David Rechulski.
Não obstante, embora compreenda que cada Autoridade que presida investigações é livre na formação de suas próprias convicções, a Vale reafirma que sempre norteou suas atividades por premissas de segurança e que nunca se evidenciou nenhum cenário de risco iminente da ruptura da estrutura, o que é confirmado em todos os laudos já expedidos".