Areia está no alicerce do desenvolvimento econômico

Segunda matéria-prima mais extraída na natureza é de uso essencial e está na base do crescimento civilizatório, daí a importância da exploração correta. Apesar dos problemas, o setor legalizado também combate a informalidade

Escrito por Melquíades Júnior ,
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Legenda: Legenda: Canteiro de obras do programa Minha Casa Minha Vida no Município de Petrolina (PE). Uma casa de dois quartos leva, em média, 200 toneladas de areia em toda a sua estrutura
Foto: Thiago Gadelha

Para qualquer lugar que se olhe, tem areia, ou o dióxido de silício, de que é composta. Está no alicerce da casa, na parede, na janela e no piso, mas também no espelho, no computador e até no creme dental. São mais de 30 bilhões de toneladas produzidas todos os anos no mundo (2,1 bilhões no Brasil) e vista como a "prima-pobre" da mineração, dada a sua abundância.

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"Mas não há desenvolvimento urbano sem areia, por isso, temos tido uma preocupação com a informalidade", afirma Teobaldo de Sousa, vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Mineração de Areia (Sindareia). Isto porque a produção sem os devidos registros tende a se tornar mais barata e compete diretamente com o setor legal, com areia de origem declarada.

Se a construção civil é importante pilar do desenvolvimento, a mineração de areia é sua base número um. "Num contexto de crise econômica, a construção retrai e a produção de areia também. Fosse declarada toda a areia, como acontece com o cimento, teríamos um retrato mais fiel tanto dos impactos positivos quanto negativos", explica Francisco Torres, pesquisador pela Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.

Durante um ano, ele investigou o setor de mineração no vale do Rio Piancó, em seu estado, e fez retrato da informalidade: 90% da produção é informal e se dá por pequenos e médios mineradores. "São pessoas que, muitas vezes, não têm o ensino fundamental completo, extraem de qualquer jeito", explica.

Geração de empregos

Nos últimos cinco anos, o Sindareia tem provocado reuniões com o Governo Federal em busca de investimentos no setor. De acordo com estudo de impacto feito pelo Departamento de Indústria da Construção (Deconcic), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), novas obras de desenvolvimento urbano e infraestrutura econômica em todo o País seriam capazes de gerar, "de imediato, dois milhões de novos empregos", reforça Carlos Auricchio, diretor do Deconcic.

O que se vê, no entanto, é uma histórica deficiência de fiscalização. A ilegalidade no setor de extração de areia tem níveis bastante diferentes, conforme a região do País, sendo Nordeste (86%) e Norte (85%) as regiões que elevam a média da ilegalidade no País, já que a produção do Sudeste, por exemplo, é 65%% declarada. É importante reforçar como é calculada a produção ilegal. Tanto no Brasil como no Exterior, essa estimativa é dada a partir do cruzamento de dados da produção declarada de cimento, fornecida pelo próprio sindicato nacional do setor. Na construção civil, para cada 1kg fornecido de cimento, outros 4kg de areia são necessários. No ano de 2018, foram produzidas 53 milhões de toneladas de cimento. Logo, estima-se na produção de 214 milhões de toneladas de areia, mas houve declaração de apenas 75 milhões de toneladas de grãos.

"Royalties" da areia

Diante desse cenário, outra consequência visível é: municípios com areais sem autorização nem licenciamento deixam de receber a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cefem). A alíquota de 1% parece pouco, mas cresce diante de um mercado com faturamento bilionário. Assim, tomado o valor de R$ 13 bilhões de produção de areia ilegal (dados de 2018), R$ 130 milhões de 'royalties' deixam de entrar todos os anos nos cofres públicos, sobretudo, municipais.

"No senso comum, a gente não tem noção da areia produzida no mundo. Ela chega a estar entre 32 e 50 bilhões de toneladas. É um valor muito alto. Então, dá pra perceber o tamanho desse problema, de como ao ficar extraindo areia ilegalmente você destrói a natureza, destrói o meio ambiente que é o principal problema que acarreta. Além do lucro fácil para investidores criminosos. Ele chega simplesmente na beira do rio, coloca uma draga ali dentro começa a puxar pra dentro do caminhão, vai embora pra poder fazer a distribuição dele para as construtoras", descreve Ramadon, pontuando que, muitas vezes, as construtoras compram esse material sem saber que é de origem ilícita, porque eles pegam notas fiscais frias, fazem lavagem de dinheiro em cima desse material, e as construtoras, inocentemente, acabam comprando essa areia ilegal. É um trabalho muito forte no Brasil", explica o pesquisador Luís Fernando Ramadon, especialista em direito ambiental e, atualmente, uma das principais referências em estudos sobre a extração ilegal de areia dentro e fora do País - citado em artigos na Índia, China e Alemanha.

Como agente especial da Polícia Federal, Ramadon percebeu o impacto dos areais clandestinos e decidiu investigar. Alguns dados apontados nesta série, como valores atualizados de faturamento e níveis de ilegalidade, foram fornecidos com exclusividade à nossa reportagem.

Impactos

Não precisa haver ilegalidade para que toda e qualquer mineração tenha forte impacto ambiental. Ela é pautada na extração de recursos naturais não renováveis. Uma vez tirado o produto do solo, aquela matéria não irá se regenerar, pelo menos não nesta Era geológica. A retirada da mata nativa para extração de areia das margens de rios e lagoas provoca assoreamentos e deslizamentos. No entanto, o especialista em direito ambiental Pedro Ataíde, autor do livro "Direito minerário", pondera: "quando realizada de modo responsável, (a extração) pode contribuir para o desassoreamento. No Nordeste são comuns rios intermitentes. Onde a mata ciliar já não existe, a extração de areia, se realizada de modo responsável, pode contribuir para o desassoreamento dos rios. Não é o que acontece. Como a maior parte da extração é informal, não respeita parâmetros, limites".