Apuração Eleições 2024 Legislativo Judiciário Executivo

Um fortalezense que vive no Meireles e outro no Conjunto Palmeiras têm realidades significativamente distintas, ainda que estejam na mesma cidade. O primeiro bairro é considerado o de melhor qualidade de vida na capital cearense, enquanto o segundo figura como o pior da lista. Um levantamento feito pelo Diário do Nordeste mostra o quanto a vida nesses dois extremos pode mudar as prioridades do eleitor na hora de definir o voto.

Os dados consideram os vereadores mais bem votados em bairros que possuem o índice de desenvolvimento humano (IDH) “muito alto” e aqueles que têm esse índice como “muito baixo”. Os números e as classificações se traduzem no dia a dia como a expectativa de vida, a escolaridade e a renda daquela população. 

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São justamente esses fatores que podem se tornar decisivos para o eleitorado, seja para aqueles que priorizam candidatos com agendas locais ou para os que preferem nomes que ecoam bandeiras mais amplas, apontam analistas políticos. O mapeamento dos votos leva em conta todos os candidatos à Câmara Municipal de Fortaleza nas últimas eleições — tanto os eleitos como suplentes e não eleitos.

Esta reportagem integra uma série do Diário do Nordeste sobre o desempenho eleitoral dos candidatos a vereador de Fortaleza em 2020 e o que isso pode indicar para a disputa eleitoral em 2024.

Desigualdade social

A desigualdade na Capital já fica evidente na divisão entre os bairros com IDH mais alto e mais baixo. Na lista daqueles com a melhor qualidade de vida aparecem apenas três áreas da Cidade: Meireles, Aldeota e Dionísio Torres. 

Já no outro extremo, cerca 90 bairros têm o IDH “muito baixo”. Esse dado também expõe o poder de decisão que tem o eleitorado mais pobre da Capital.

Além do Conjunto Palmeiras, os cenários mais críticos aparecem no Parque Presidente, Canindezinho, Genibaú, Siqueira, Praia do Futuro II, Planalto Ayrton Senna, Granja Lisboa, Jangurussu, entre outros.

IDH muito baixo

Considerando os votos de todas as urnas nesses quase 90 bairros, o vereador mais votado foi Ronaldo Martins (Republicanos). 

O parlamentar, que também foi o mais votado de Fortaleza em 2020, obteve pouco mais de 28 mil votos desses bairros, uma fatia que representa 88,7% de todo o eleitorado dele — de 31,8 mil pessoas — naquele ano. O político tem uma ampla capilaridade na Capital por conta da sua trajetória como líder religioso e também pela atuação como comunicador no rádio e na televisão.

No grupo de postulantes aparecem sete vereadores pelo PDT, sigla que, à época, comandava o Município com o prefeito Roberto Cláudio (PDT), sucedido pelo atual prefeito, José Sarto, também pedetista.

O vereador pedetista mais bem votado entre eles foi Lúcio Bruno (PDT), que atuou como secretário no Executivo Municipal. Antônio Henrique, Adail Júnior, Júlio Brizzi (atualmente no PT), Gardel Rolim, Paulo Martins e Enfermeira Ana Paula (hoje no PSB), também aparecem entre os dez mais votados. 

O cientista político Cleyton Monte, que é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que a “proximidade com a máquina pública” alavanca o desempenho de alguns parlamentares diante de parte do eleitorado.

São moradores de bairros que têm uma maior necessidade do aparato do Estado porque vivem em áreas onde o atendimento de saúde é precário, mas dependem disso, e precisam de atendimento da educação pública, da segurança, da assistência social (...) então os vereadores mais votados geralmente são aqueles ligados à máquina pública. Por quê? Porque eles têm mais facilidade no acesso a uma regional, a um atendimento de saúde, de educação e de agentes comunitários
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador

“A proximidade com a máquina pública e a maior capilaridade dá uma maior visibilidade a essas lideranças. E são regiões que têm uma necessidade mais urgente do poder público justamente porque são regiões historicamente excluídas, marginalizadas, com altíssimos índices de pobreza, baixos salários, então dependem mais do poder público, e os vereadores mais ligados à gestão acabam ‘saindo na frente’ nesses locais”, acrescenta.

A análise é reforçada pelo cientista político e diretor do instituto de pesquisa Opnus, Pedro Barbosa. Para ele, na hora de definir o voto, essa fatia do eleitorado tende a considerar quem tem capacidade de resolver mais rapidamente os problemas do bairro. 

“De modo geral, o que boa parte desses eleitores esperam e cobram dos políticos é que possam atender a essas demandas de serviços e infraestruturas mais básicas, tanto a nível de bairro quanto a nível individual”, afirma.

IDH muito alto

Já na lista de IDH “muito alto”, em que figuram os bairros Meireles, Aldeota e Dionísio Torres, os critérios são outros.

Boa parte dessa população tem pouca necessidade dos serviços públicos. Possuem plano de saúde, estudam em escolas privadas e têm carro. São bairros onde as ruas são pavimentadas e bem sinalizadas, as praças são bem conservadas e iluminadas e há esgotamento sanitário. Assim, afastadas preocupações com necessidades mais básicas, para muitos, a pergunta que norteia a escolha do vereador passa a ser ‘Com qual candidato eu mais me identifico?’
Pedro Barbosa
Cientista político e diretor do Instituto Opnus

O cientista político acrescenta que, nesses casos, as votações acabam sendo direcionadas a “candidatos cujo componente ideológico, à esquerda ou à direita, é parte importante de sua plataforma de campanha”.

De fato, os resultados das urnas de 2020 reforçam essa análise. Na lista de mais votados desse grupo de eleitores aparecem nomes muito mais ligados a bandeiras ideológicas. 

O mais votado na área mais rica de Fortaleza, por exemplo, foi Carmelo Neto, hoje deputado estadual, mas eleito à época para a Câmara de Fortaleza. Somada, a votação dele no Meireles, Aldeota e Dionísio Torres chegou a quase 2 mil votos. O político é um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro na Capital e tem uma plataforma política conservadora.

No pleito de 2020, Carmelo conquistou 8,5 mil votos, dos quais quase 25% saíram dos bairros com maior IDH da Capital. Desempenho semelhante teve Rodrigo Marinho (Novo), o segundo candidato mais votado, considerando apenas os três bairros. O político, que acabou não eleito, defende a bandeira do liberalismo econômico.

Em seguida, aparecem dois vereadores do Psol: Gabriel Aguiar e Adriana do Nossa Cara. Os dois parlamentares atuam no campo progressista, com foco nas causas sociais e ambientais. Outro nome da esquerda que tem eleitorado fiel nos bairros mais ricos da Capital é o petista Guilherme Sampaio.

O único parlamentar que apareceu entre os mais votados tanto na área de IDH muito alto quanto na de IDH muito baixo foi o ex-pedetista Júlio Brizzi.

“Os bairros com IDH muito alto têm uma menor dependência do poder público — não que independem, todos os munícipes, de alguma forma, dependem do poder público —, principalmente de ações de assistência social, educação e saúde, por exemplo. São grupos que geralmente utilizam serviços privados, têm uma renda maior, mais estabilizada, enfim, é um grupo reduzido e que tem um IDH mais elevado. Nesses bairros, os vereadores não precisam estar ligados à máquina pública, são vereadores ligados à causa ambiental, à educação, a algum setor ou grupo representativo de classe”, conclui Cleyton Monte. 

“É importante salientar que estamos falando de diferenças gerais e de tendências, não de algo que se aplica, necessariamente, a todo o eleitorado. Em bairros pobres também poderemos ver candidatos ditos ‘ideológicos’ sendo bem votados”, acrescenta Pedro Barbosa