O Ceará está acostumado a conviver com a seca, embora tenha sempre o que melhorar nessa convivência. Mas além do uso racional da água que chega às torneiras, precisamos enfrentar um mal tão secular quanto a seca: a corrupção no uso do bem hídrico essencial. A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) lacrou, na semana passada, pelo menos 17 motores de captação de água desviada do rio Jaguaribe. Fazendeiros de camarão em cativeiro estavam captando água que seguia para abastecimento humano no município de Jaguaruana. Cessado o roubo, as águas avançaram nada menos que quatro quilômetros até o local de captação pela subestação.
Se a prática ilícita continuasse, estaria comprometido o abastecimento no município de Jaguaruana. A cidade estava a um passo de colapsar. O episódio, muito bem combatido pela gerência regional da Cogerh em Limoeiro do Norte, é apenas um de muitos que ocorrem em todo o Estado.
A água é um recurso essencial para abastecimento humano e, garantido este, para as produções agrícolas e industriais, movimentando a economia, promovendo trabalho e renda. Mas a legislação existe para ser obedecida. Sob nenhum aspecto se pode justificar a retirada de água do abastecimento humano para uma produção comercial privada. Para isso existem as normativas de concessão de outorga da água.
O Estado do Ceará, detentor do Eixão da Águas e, mais recentemente, receptor das águas do Rio São Francisco por meio dos canais da Transposição, bem sabe da importância social e econômica da água. Não se trata, aqui, de colocar as duas finalidades em lados opostos, mas sim opor o uso legítimo da utilização irregular, fruto de roubo da água para a qual não teve autorização.
Todos os anos, dezenas de motores de captação irregular de água são lacrados no interior do Estado, mas não há garantias de que não voltem a operar tão logo a fiscalização vire as costas.
O rio Jaguaribe, onde estão situados os nossos maiores açudes - o Castanhão em primeiro lugar - é uma das áreas na qual a fiscalização se faz mais intensa, pois é onde mais se constatam problemas de desvio de água. Essa é também uma das formas de corrupção, talvez ainda mais grave, por se tratar de bem essencial à vida. O monitoramento ganhou, como aliado, o uso de imagens de satélite de alta definição, além das captações de drones.
A Lei Estadual de Recursos Hídricos dispõe sobre aplicação de penalidades aos infratores. É salutar que ela seja aplicada. Mas se torna necessária a eficiência educativa e punitiva, para que não se tome espaço para impunidade, nem a equação ilógica em que vale mais pagar a multa do que perder o lucro.
Por tudo o que vivemos e necessitamos em termos de recursos hídricos, não podemos admitir o roubo de água. Um bem coletivo não pode estar sujeito ao capricho privado de quem não busca se regularizar e buscar concessão de outorga de uso da água.
Precisamos, isto sim, que, sendo obedecida a “Lei das Águas”, tenhamos nos próximos meses as bem-vindas chuvas de pré-estação, tão esperadas especialmente no sertão, enchendo a calha dos rios, banhando o campo, abastecendo torneiras e economias.