Um dia antes do fim de 2020, a Europa surpreendeu o mundo com o anúncio de que acabara de celebrar um acordo de investimentos, com entrelinhas políticas, com a República da China.
O governo de Xi Jiping oferece às empresas europeias acesso total ao seu mercado de 1,4 bilhão de consumidores e ainda promete, em contrapartida, combater o trabalho escravo no país, algo difícil de acontecer tendo em vista que a gestão de Pequim é ditatorial, dominada única e exclusivamente pelo Partido Comunista Chinês.
Além disso, a China acena com maior transparência para a política de subsídios às suas empresas estatais. É o final feliz de sete anos de negociações entre as partes. A oficial assinatura do acordo, porém, ainda demandará alguns dias, mas a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Emmanuel Macron deram seu aval ao tratado, anunciado por vídeoconferência que reuniu também, do lado asiático, o presidente chinês, que, ao discursar, disse que o evento era uma prova de que a China está comprometida com “o mais alto grau de abertura” de sua economia.
O anúncio do acordo surpreendeu, também, os Estados Unidos, tradicionais aliados dos europeus, que, durante os últimos quatro anos, ao longo de todo o governo do presidente Trump, tem sustentado profundas divergências com Pequim. O recém-eleito presidente Joe Biden disse, há poucos dias, que sua gestão reconstruirá as pontes que ligam os Estados Unidos à Europa e à Organização Mundial do Comércio. Como isso se fará, não se sabe ainda. Biden declarou que manterá as atuais tarifas impostas por Trump a centenas de produtos chineses. Isto mostra que, na economia, os políticos norte-americanos olham, primeiro, para o interesse nacional.
No Brasil, o acordo da União Europeia com a China reaviva o debate sobre a política externa do Palácio do Planalto, que é quase exclusivamente voltada para as relações políticas, comerciais e diplomáticas com os Estados Unidos, deixando em segundo plano parceiros importantes, como a China – destino da maioria de nossas exportações – e a própria Europa, com cujos governos, em setembro de 2019, o Mercosul firmou, mas ainda não implementou, um acordo de livre comércio gigantesco e importante para os dois lados.
Mas ainda é, lamentavelmente, muito fechada a economia brasileira, cujos governos se deixaram dominar, nos últimos 50 anos, pelo lobby empresarial industrial, concedendo-lhe incentivos que, na prática, representam uma renúncia fiscal que, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, chega aos R$ 350 bilhões anuais, algo que, em 10 anos, ajudaria a abater espetacularmente a dívida pública.
O Brasil e seu governo, por meio do Ministério de Relações Exteriores, devem estar atentos aos rápidos e inesperados lances do jogo geopolítico, que ganhou um novo, rico e poderoso protagonista, a China, da qual – aconselha o bom senso – o governo brasileiro não deve afastar-se. Pelo contrário, deve ficar atento, principalmente neste momento de definições, como é exemplo o acordo dos chineses com os europeus.