“Nordeste é uma ficção/Nordeste nunca houve.” Solto a fina ironia de Belchior na vitrola para amplificar o papel de vanguarda da região diante do negacionismo e do atraso de vida gerados pelo poder central bolsonarista. Foi e tem sido iniciativa dos governadores a reação mais contundente contra o desmantelo provocado por Brasília.
Ao conseguir no STF, bem no início da pandemia, o direito de tomar decisões baseadas na ciência para enfrentar o coronavírus, os nordestinos deram uma rabissaca iluminista para o obscurantismo do Palácio do Planalto. Sem chances para os apóstolos da Cloroquina e outras receitas inspiradas em crendices e superstições.
“Não é invadindo hospitais e perseguindo gestores que o Brasil vencerá a pandemia”. Com este parágrafo curto e seco qual a escrita de Graciliano Ramos, os nove governadores nordestinos deixaram as suas diferenças partidárias de banda e firmaram, ainda em junho de 2020, uma carta que daria o tom, dali por diante, no relacionamento com a cúpula federal.
O aboio rebelde, mais para o protesto do que para o lamento, deixou eco no país. É inegável a importância da reação nordestina como influência, por exemplo, no documento assinado esta semana por 19 governadores para contestar a arrogância de Bolsonaro ao exibir, de forma mentirosa, valores de repasses de recursos aos Estados.
O tratamento do ex-capitão com os representantes do Nordeste sempre foi carregado de preconceito ou deboche. “Daqueles governadores de... 'paraíba', o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara", sapecou em um dos seus manifestos típicos de tiozão sudestino que trata todos os habitantes da região como “paraíbas” ou “baianos”.
O citado Flávio Dino (PC do B), governador maranhense, tem respondido com firmeza aos ataques, incorporando, em algumas ocasiões, o carcará do conterrâneo João do Vale, gênio musical que Pedreiras deu ao mundo. Resposta de quem exige uma relação honesta e democrática, como também reagiu o cearense Camilo Santana (PT), depois do escarcéu do presidente em passagem por Tianguá.
Definindo-se como “imbrochável”, Bolsonaro se apega, nas suas visitas à região, a um olhar caricato, quase sempre homofóbico, e ainda resumido ao personagem do “cabra macho”. Em um bom divã, um analista amigo meu diria que há em esperneios dessa natureza toda uma possível heterossexualidade frágil. Risível macheza envenenada.
P.S. Não tinha nem roupa para a estreia neste bravo Diário do Nordeste, na companhia de gente que tanto admiro, como Zelma Madeira, Preto Zezé, Socorro Acioli, Ruy Câmara e Silvero Pereira. Sorte é que o mestre Espedito Seleiro, direto de Nova Olinda, me mandou um gibão da mais alta modernagem. Agora sim estamos todos bonitos no retrato. Beijo e até a próxima.
Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.