Gilmar de Carvalho e a sabedoria cearense na prova do Enem

Legenda: Gilmar de Carvalho foi um grande estudioso da xilogravura
Foto: Guilherme Silva

A prova do Enem teve Rita Lee e Racionais MCs. Excelente e atualizadíssima. Ponto para o Exame Nacional do Ensino Médio. Uma questão, em especial, a de número 73 (prova azul), mexeu com o orgulho cearense e nordestino. Tratava da arte da xilogravura, com destaque para o maior estudioso do assunto, o professor Gilmar de Carvalho, ilustre e ilustrado filho de Sobral.

Deu vontade de ainda ser estudante, só para responder sobre o tema. Bateu a lembrança da nossa última prosa, que divido agora com os leitores. Gilmar exaltava o lado pop do Padre Cícero e as invenções do comércio de Juazeiro em torno da mitológica figura do santo da massa nordestina.

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“Você já viu as garrafinhas pet de água mineral em formato da estátua? O Cariri é essa riqueza, seja na tradição ou nas artimanhas pós-modernas para reciclagens históricas”, dizia o autor de Parabélum (editora Armazém da Cultura), durante o teste de som para um bate-papo que fizemos no canal de Youtube da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), nos primeiros meses da pandemia da Covid-19.

Gilmar seguiu com o seu bendito-exaltação à bela bagaceira do comércio dos camelôs. “Aquelas barraquinhas do horto com meu Padim e Madonna juntos, que extraordinário”, lembrou dos anos 1990.

O olhar nada óbvio de um apanhador de cacos e imagens para emendar uma sabedoria inteira. Com os estudos sobre xilogravura, poesia popular e Patativa do Assaré, o professor adotou e foi adotado pelos caririenses.

Ai de mim, Walter Benjamim, para agradecer com afeto e doce de buriti.

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Conheci Gilmar de Carvalho graças ao amigo Paulo Mota, 1995, em São Paulo, no hotelzinho em que o acadêmico morava, próximo à PUC, no bairro das Perdizes. Encanto radical à primeira vista. Aquela maneira de falar do Nordeste sem o filtro do folclore e dos clichezões me ganhou de vez. Depois virei leitor e observador atento a tudo que vinha desse homem.

Voltemos à fita ao nosso último encontro no zoom. O tema era Padre Cícero, em uma série da Fundaj chamada Grandes Personalidades da História do Nordeste. Eu todo conservador, botando fé na reabilitação lenta e gradual que a cúpula Católica Apostólica Romana tem feito sobre o filho ilustre do Crato. No que Gilmar, entre o tímido e o espalhafatoso, mira a câmera do seu notebook e blasfema: “O Vaticano que se dane, comete o eterno pecado de ter criado caso com esse homem, que moral tem essa igreja? O pedido de perdão está com as mãos trocadas. Roma que peça desculpas ao Juazeiro”.

Com o avanço das igrejas neopentecostais, observava o professor da UFC e do mundo, lógico que há o interesse do poder católico em recrutar o Padre Cícero para os seus altares oficiais. Questão de disputa de almas e mercado.

Este era o sagaz professor Gilmar, que nos deixou em abril de 2021, vítima de Covid-19.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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