Cota de gênero: após cassação da chapa do PL, partidos mobilizam mulheres para evitar mesmo fim

Dominado historicamente por homens, os partidos políticos no Brasil estão cada vez mais pressionados pela Justiça brasileira

Legenda: A Câmara Municipal de Fortaleza ainda tem pouca representação feminina
Foto: CMFor/Divulgação

A influência masculina nos postos de comando dos partidos políticos no Brasil ainda é tão forte que uma lei precisou ser aprovada, em 2009, para exigir que ao menos 30% das candidaturas ao legislativo contemplassem ao menos um gênero (masculino ou feminino) – o que na prática funciona para as mulheres tendo o histórico de ausência dessas candidatas em pleitos anteriores. 

Apesar de mais de uma década para a "adaptação", as legendas ainda enfrentam problemas na Justiça brasileira por não atingir o mínimo exigido, ou, quando ainda pior, fraudam as cotas. Inúmeras chapas inteiras de vereadores foram cassadas por conta da ilegalidade nos últimos meses em âmbito municipal. 

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Desta vez, é o PL do Ceará que está no centro dos debates em meio à acusação de fraudar a cota de gênero nas eleições para a Assembleia Legislativa do Ceará em 2022. O TRE-CE já julgou pela cassação. Agora, o assunto deverá seguir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Pela dificuldade de dar espaço ao gênero feminino dentro das resoluções partidárias, houve também decisões por força de lei para obrigar que dirigentes garantissem o mínimo, não apenas de candidaturas, mas também de recursos e espaço nas mídias das siglas. 

Foi em abril de 2022 que o Congresso Nacional promulgou Emenda Constitucional obrigando políticos a garantir pelo menos 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas. Ficou acertado que a distribuição deveria ser proporcional ao número de candidatas.  

Outra decisão que integrou a Emenda é que o percentual de 30% vale tanto para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – mais conhecido como Fundo Eleitoral – como para recursos do Fundo Partidário destinado a campanhas.  

As agremiações partidárias também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres. 

Muito embora essas definições estejam em vigor, está claro que é preciso que a dureza da Justiça Eleitoral se imponha para constranger partidos políticos a entender a política sob outro prisma. Se não for pelo republicanismo, que seja pelo medo.

PL

Enfrentando um processo que pode cassar a chapa completa na Assembleia Legislativa, o PL declarou à coluna que "sempre trabalhou a participação feminina nas suas eleições". 

De acordo com o partido, "elas tanto participam como sugestões como participam ativamente como candidatas e continuarão sendo incentivadas a essa participação através dos nossos programas, das participações das nossas mulheres políticas do partido". 

O presidente do partido no Estado, prefeito Acilon Gonçalves, disse ainda que o resultado desse trabalho é que o partido tem "a maior bancada percentual da Assembleia Legislativa com 50% da bancada de mulheres, bem como as duas deputadas mais votadas do Ceará". 

Observando essas últimas decisões e o impacto do episódio do PL no Ceará, a coluna conversou com alguns dirigentes partidários no Estado para questionar o que tem sido feito de concreto para transformar essa realidade e evitar que a Justiça intervenha para anular candidaturas eleitas. 

O QUE DIZEM OS PARTIDOS 

‘38% das mulheres no diretório’ 

Sem representação feminina na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) e na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), o MDB diz que tem trabalhado para fortalecer a presença de mulheres nas tomadas de decisões partidárias.

O presidente estadual da legenda, deputado Eunício Oliveira, declarou à coluna que está no estatuto do MDB que em 2026 o partido é obrigado a fazer os seus diretórios com pelo menos 30% de mulheres. 

Legenda: Vice-governadora, Jade Romero assumiu a chefia do Executivo estadual durante viagem do governador Elmano de Freitas (PT)
Foto: Divulgação

O Ceará “saiu na frente”, segundo o dirigente, com 38% das mulheres no diretório — antes do prazo estipulado internamente. O parlamentar também cita que o partido indicou uma mulher, Jade Romero, para a candidatura de vice-governadora nas eleições de 2022.

"Emponderar as mulheres é uma coisa natural porque as mulheres têm 52% do eleitorado e a gente precisa adequar isso o mais rápido possível. O MDB tem buscado nos municípios mulheres para serem candidatas a prefeituras. Essa ocupação de espaço é uma luta que vem de longe. Sou um defensor intransigente no sentido de equiparar", declarou. 

'Orientação rígida'

O presidente estadual do PDT no Ceará, deputado federal André Figueiredo, declarou que vai "passar cada vez mais essa orientação rígida para as direções municipais nas eleições do ano que vem" no sentido de fortalecer as lideranças femininas.

O partido elegeu Lia Gomes como deputada estadual e hoje tem Enfermeira Ana Paula como deputada federal em exercício em Brasília.

"Nós temos ação da mulher trabalhista que é um movimento das mulheres do PDT, que serve justamente pra isso, pra capacitar nossas candidatas e pra fortalecer ainda mais as nossas candidaturas femininas e proporcionar uma maior participação delas no parlamento", disse o dirigente. 

Legenda: Lia foi eleita deputada estadual pelo PDT em outubro de 2022
Foto: Alece/Divulgação

‘Mais prefeitas’ 

O presidente do PT Ceará, Antônio Filho, o Conin, disse que o partido está "trabalhando intensamente" na pauta. O partido hoje tem uma prefeita (Íris, de Apuiarés), além de oito vices e 41 vereadoras.

"No Ceará a nossa Secretaria de Mulheres já fez o lançamento oficial do programa no Estado e segue com atividades de mobilização, formação e orientação permanentes", disse. No dia 20 de julho, o Festival Elas por Elas promove oficinas, debates, exposições, etc, para estimular as filiações.

Ainda de acordo com o dirigente, o primeiro objetivo da legenda é "cumprir o percentual estabelecido em lei com candidatas que efetivamente disputem as eleições com competitividade e chances efetivas de serem eleitas".

Para o dirigente, o desafio do ano que vem é aumentar a quantidade de prefeitas para 2024. 

'Paridade na composição das instâncias'

O Psol, que tem representação feminina na Câmara Municipal de Fortaleza, diz que a legenda tem um setorial de mulheres "bem atuante" e que faz parte da cultura do partido a política de fortalecimento das mulheres.

"Estamos às vésperas do nosso Congresso estadual, que apontará com certeza uma política de fortalecimento, com a contribuição e participação efetiva da nossa direção e do nosso setorial", destaca, o presidente estadual Alexandre Uchoa.

Uma das ações implementadas, de acordo com o dirigente, é a paridade nas instâncias internas da sigla.

"Como partido avançamos com a paridade na composição das instâncias, prioridade nas divisões dos recursos do fundo especial de financiamento de campanha, encontros nacionais e estaduais, formação política e vida ativa das mulheres na militância não só da pauta, como também determinante na manutenção da democracia e superação do capitalismo", pontuou.

'Buscar lideranças' 

Recém-eleito presidente do Podemos no Ceará, o prefeito de Aracati, Bismarck Maia, disse que a legenda está determinada a "a buscar lideranças femininas e incentivar as novas a participar do processo político".

"Onde estive, a maioria da equipe foi de mulheres. Como prefeito, não diferente, em torno de 80% são mulheres. São competentes, comprometidas", reforçou.

O Podemos, inclusive, terá uma oportunidade de se reconstruir no Estado, sob nova liderança, com essa prioridade. O dirigente afirmou que esse processo para 2024 será "importante por demais". "Será uma grande oxigenação da política municipal nessas próximas eleições". 

'Aumentar o número de mulheres candidatas' 

Dirigente do Progressistas no Ceará, Zezinho Albuquerque disse que a legenda tem uma agenda permanente de filiações e fortalecimento de candidatas femininas nas eleições.

Segundo ele, o ritmo de filiações deve seguir para a disputa eleitoral do ano que vem que terá como foco as câmaras municipais e o executivo.

A sigla, no entanto, ainda tem um desafio de transformar essas candidatas em postos no Executivo e Legislativo. O PP tem prefeitas nos municípios de Aracoiaba e Massapê, e está na expectativa de filiar a prefeita de Beberibe, Michele Queiroz. 

Contato 

A coluna procurou demais partidos para questionar as ações, mas não obteve retorno. 



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