Pesadelo da energia: a espiral de fiascos da Enel

Do Ceará a São Paulo, distribuidora de energia atravessa ciclo interminável de turbulências e recebe enxurrada de críticas

Legenda: Enel já foi penalizada por descumprir os indicadores de continuidade
Foto: Fabiane de Paula/SVM

Ao longo dos últimos anos, a Enel conseguiu uma proeza raríssima para os dias atuais: a unanimidade. Mas não das boas, claro. A distribuidora de energia conquistou a antipatia (isso para não usar termos mais contundentes) de políticos de diferentes partidos, inclinações e regiões; dos consumidores e de empresários.

O bolo de fiascos e erros não para de fermentar. Foram tantas mancadas que restou à companhia anunciar uma mudança de comando. Saiu Nicola Cotugno e entrou Antonio Scala. Segundo a empresa, a mudança já estava prevista desde outubro, mas o timing é, no mínimo, inusitado.

Erros em série

A Enel, cuja sede fica na Itália, atravessa sua maior crise desde que chegou ao Brasil. A empresa foi aprontar duas suas logo em São Paulo, o maior mercado consumidor do País e se viu sob os holofotes nacionais, ao deixar mais de um milhão de residências sem energia por vários dias, após uma tempestade ter acometido a capital paulista e Região Metropolitana.

O caso serviu até para os oposicionistas do governador Tarcísio de Freitas defenderem a não privatização da Sabesp, companhia de água e esgoto cujo processo para passar à iniciativa privada avança. Situação esta que merece parênteses. Há privatizações boas e frutíferas, assim como há privatizações inadequadas e problemáticas. O sucesso, não raro, depende do formato dos contratos, do nível de exigência e, ainda assim, é essencial a atuação de órgãos fiscalizadores.

Ademais, como numa cena de seriado pastelão, quando o então presidente da companhia participava de uma sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo, depondo em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), eis que as luzes se apagam por duas vezes. Piada pronta. 

Chuva de CPIs

Depois de tantos erros, deputados federais estão articulando uma CPI para investigar a atuação da Enel e da Light. Isso levaria a crise para uma dimensão ainda maior.

Contudo, aos ouvidos dos cearenses, nada disso soa como novidade. Temos uma CPI da Enel para chamar de nossa. Foi instalada em agosto na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), após uma enxurrada de reclamações tendo a empresa no epicentro. O objetivo da comissão é investigar supostos abusos e irregularidades contratuais na concessão.

Reações da sociedade cearense

O caos se instaurou após o aumento médio, aprovado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de 25% na conta de luz dos cearenses, em abril de 2022. Ainda que a definição do percentual seja de responsabilidade da agência reguladora, a revolta da sociedade recaiu sobre a Enel, cujos serviços são avaliados, em linhas gerais, como insatisfatórios - para dizer o mínimo.

Desde então, eclodiu uma torrente de reclamações. Empresários expuseram as dificuldades em conseguir ligar a energia de novos empreendimentos; o agronegócio cearense levantou-se contra a alta tarifa e a má qualidade dos serviços; até o prefeito de Fortaleza, Sarto Nogueira, foi a público se queixar por não conseguir inaugurar uma obra, pois a Enel tardava a ligar a energia.

Nesse ínterim, houve ainda outro fato que pôs a opinião pública contra a Enel. A discussão acerca da cobrança por parte da empresa sobre uma taxa mais pesada para provedores de internet que utilizam os postes da distribuidora.

Venda não vinga

Um ano atrás, outra notícia forte: o anúncio ao mercado de que a Enel Ceará seria colocada à venda pela controladora italiana. De lá para cá, muitas informações de bastidores circularam a respeito da negociação. No entanto, nesta semana, a empresa comunicou oficialmente que o negócio não avançou. A venda foi "temporariamente suspensa".

Ou seja, os cearenses terão de aturar a Enel por muito mais tempo.

Espera-se ao menos que as sucessivas crises protagonizadas pela empresa no Ceará, em São Paulo e em outros estados pressione-a a melhorar a qualidade de suas entregas. E que as CPIs, para além dos discursos, apresentem resultados contundentes. Faça-se a luz.



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