A dor do outro, o cuidado consigo e a consciência das experiências vividas

Legenda: Quanto mais fortalecida a estrutura, maior seria a probabilidade de, mesmo sofrendo, fortalecer-se mais ainda
Foto: Kat Jayne/Pexels

Amigos, eis-me aqui escrevendo minha primeira coluna para o Sistema Verdes Mares. Olha que, mesmo acostumado a falar para pequenos e grandes públicos, observei-me inquieto, meio “enrolado” no escrever. Fiquei me questionando o que estaria por trás de minhas reações. E, habituado a refletir diariamente sobre meus atos, pensamentos, sentimentos e minha comunicação, observei a presença da autocobrança, do rigorismo e quem sabe o medo de não agradar. 

Quando identifiquei esses sentimentos, pude respirar e focar com meu compromisso bem humano de dar o meu melhor, assumindo a condição de iniciante e aprendiz. Pretendo compartilhar nesse canal algumas reflexões sobre fatos e situações que me chamem a atenção e que possam agregar, a você que me acompanhará aqui, alguns elementos que lhe ajudem a viver melhor. 

Então comecemos a jornada, pegando uma carona com Paulo Freire: O caminho se faz caminhando. Convido-lhe a caminhar comigo.

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O momento que estamos vivendo requer reflexões. A Covid-19 se alastrou por praticamente todos os países do mundo e apenas alguns, inclusive algumas Ilhas no Pacífico, ficaram fora dessa contaminação até aqui. Esse contexto evoca questionamentos sobre as estruturas de saúde, política, economia, etç, mas não me deterei aí.

Indo além dos tristes e preocupantes números, quero repensar com você, caro leitor, sobre outros aspectos. Toda experiência vivida pode qualificar, elevar, nosso nível de consciência, desde que nos dediquemos a pensar, refletir, sobre o que nos pertence, como aquilo nos toca, nos afeta. 

Para muitos, enquanto a doença ainda estava na Ásia, ela “não existia”. Tornou-se comum ouvir, quer seja no consultório ou fora dele, que parecia filme de ficção quando os noticiários mostravam as cenas da população de lá usando máscaras. Somente quando chegou ao Brasil, e mais precisamente na nossa cidade, que foi “caindo a ficha”. E quando as pessoas mais próximas, as conhecidas, os familiares foram contaminados, se deram conta da seriedade da doença, e da necessidade de encará-la com o devido respeito e cuidado. 

Aristóteles (384-322 a.C.), dizia: “Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”. Sem defender ou mesmo afirmar que o filósofo esteja certo ou errado, parece que, para muitos de nós, se não estiver doendo em si, na própria pele, pouco importa, o outro que se vire, que resolva, o problema é dele. Então será necessário passar pelo sofrimento para se sensibilizar com a dor, ou com a situação que gera a dor? 

A experiência que aparentemente é do outro também é minha, sua, nossa, enfim de todos! Precisamos respirar na Unidade de que somos interdependentes. Todos os seres estão conectados e, para manter o equilíbrio, precisamos rever nossos conceitos. Aqui surge a necessidade de desenvolver a empatia para gerar atitudes altruísticas. Ao contrário, ao olhar com base na separatividade, na divisão, dá-se margem a um viver egoísta, conflituoso, sofrido e solitário.

Desde o início do ano passado, tenho dito que a pandemia seria, e está sendo, um catalisador, um acelerador de processos. As estruturas seriam e estão sendo postas à prova. Tanto para indivíduos como para grupos (famílias, amigos, empresas, cidades, estados, nações, humanidade). Quanto mais fortalecida a estrutura, maior seria a probabilidade de, mesmo sofrendo, fortalecer-se mais ainda. Já as mais frágeis se desintegrariam ou aproveitariam a oportunidade para ressignificar propósitos, objetivos e esforços para a superação, para fazer surgir uma estrutura mais firme e saudável. Passados 13 meses, venho constatando essas ideias e hipóteses.

No que concerne ao individual, aqueles que já investiam em autoconhecimento e autocuidados, mesmo sentindo a pressão do contexto, não se desorganizaram. Já aqueles que descuidavam de si, mostraram-se inseguros e vivenciaram um aumento da ansiedade, movidas pelo medo da doença, da morte, do desemprego e da fome, gerando transtornos como o de pânico. E muita vezes também transtornos de humor, como a depressão.

As famílias foram obrigadas a uma convivência mais intensa e continuada, abrindo espaços para redescobrirem seus familiares, e a importância do tempo junto, do fazer juntos, atividades simples e básicas que outrora era o comum, como se sentar à mesa para as refeições, assistir ao mesmo programa de tv, jogar jogo de tabuleiro, etc.

E essas experiências permitiram uma maior expressão de afetividade, contribuindo para harmonia de todos. Mas também vieram à tona conflitos já existentes, que foram abafados pela correria do dia a dia. E nos lares com suporte superficial, aconteceram muitos desentendimentos.

Casais também tiveram que se olhar mais detidamente. Rever seus “contratos”. Não foram poucos os que não resistiram ao enfrentamento das feridas expostas, principalmente nos períodos de lockdown, e separaram. Mas muitos outros se empenharam e estão conseguindo o resgate da confiança, do respeito e da admiração, que para mim são os pilares de um relacionamento saudável.

As empresas foram obrigadas a rever seus processos, seus modelos de gestão, quantidade e qualidade dos seus colaboradores. Muitas reduziram seus quadros, tentando se adaptar, mesmo assim não resistiram e fecharam as portas. Mas outras encontraram o equilíbrio e estão passando a crise. Algumas estão mais estruturadas até para crescerem e ganharem espaço no mercado.

Os governos, em todas as esferas, também viram suas falhas serem escancaradas. Restando a esses correrem atrás do prejuízo ou do débito que têm com a comunidade, assumindo o papel do cuidado com a coletividade, que é o seu verdadeiro papel.

Já enquanto humanidade terrena, parece que a pandemia vem chamar a nossa atenção que, mesmo com diferenças, somos muito semelhantes. Muitos infectados, muitas mortes e muito mais sobreviventes. Não importa se ricos ou pobres, brancos ou negros, homens ou mulheres, etc. Por mais que esse planeta seja da dualidade, aqui vemos a Unidade a que me referi no início desse texto. 

Estamos sendo chamados a sair da zona de conforto do ego. Que não é confortável, e sim, somente acomodação, preguiça. Podemos experimentar a empatia, a solidariedade e a compaixão. Precisamos fazer da dor do outro a nossa dor. Ir em direção aos mais necessitados, quais quer que sejam as suas necessidades. 

Uma matéria da CNN Brasil, do recente dia 9 de abril, divulgou um levantamento feito, em meio à pandemia, pela fundação Getúlio Vargas, mostrando que o número de cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza triplicou. Muitas dessas famílias tentam sobreviver com o valor de R$ 246 por mês. Você que está comigo aqui consegue se imaginar vivendo assim? 

Tenho perguntado por onde ando: sabemos que é importante ter uma reserva financeira de emergência. Se você já a tem, não seria agora um momento para usar um pouco dela? A fome não é uma emergência?

Não estou dizendo que você faça, conforme Jesus falou em Mateus 19:16-30: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê seu dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois venha e siga-me”. Nada disso. Estou lhe convidando para experimentar se juntar a tantos outros que estão comprometidos em amenizar esse tipo de sofrimento e estão mobilizando-se isoladamente ou buscando instituições e/ou grupos que já estão estruturados no combate à fome.

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Sabemos que tantos também estão sofrendo pela perda de entes queridos. O luto é um tempo que a pessoa precisa para aquietar o coração e a mente. Você pode se dispor a ouvir a dor sem precisar necessariamente dizer nada. Apenas acolha. E se fizer parte das suas crenças, ore com dedicação pelo que partiu e pela família enlutada. E a partir dessa experiência, o que lhe toca? A morte é o maior parâmetro para a vida! Valorizemos todo o tempo que temos com causas que nos preencham e nos deem sentido.

E para terminar nossa caminhada de hoje, quero convidá-lo a fazer sua avaliação de autocuidado. Vejo o ser humano como um sistema de energia. Precisa continuamente estar avaliando como abastecer e como gastar. São quatro os pilares a serem observados: físico, emocional, mental e espiritual. Ao seu modo, invista diariamente. 

Todos os dias, antes de deitar-se para dormir, avalie como usou sua energia. Se identificar que gastou mal, perdoe-se e comprometa-se em fazer diferente no dia seguinte. Essa é melhor forma de prevenção contra todas as doenças e a garantia de uma vida melhor.

Lembre-se, faça a sua parte. Cuide-se e cuide daqueles que puder. Mantenha uma atitude mental positiva e a confiança em que viveremos o que precisarmos viver. 

E por mais que você ache que a pandemia está demorando, respira e confia. Vai passar, mesmo! Tudo passa! É porque tem coisas que levam tempo e outras o tempo leva!

Gratidão pela companhia, pelo apoio!

Paz e bem!