Seja visto, seja lembrado, faça TV e sorria para as fotos

Você precisa estar sempre em evidência, com o rosto na mídia para que os produtores lembrem de você

Foto: Shutterstock

Quando comecei no audiovisual, o conselho que mais recebi foi esse. Um conselho que sempre me soou desconfortável, incômodo, desmotivador, brochante. No mesmo instante, me senti frustrado, porque entendi que de nada valia eu ser um artista disciplinado, estudioso, comprometido, amante no meu ofício.

Como competir de maneira tão desigual se as armas que eu tinha, como entrega e dedicação, eram insuficientes na frente dos likes, dos programas de entretenimento, dos podcasts, revistas e perfis de fofoca? Em que momento passamos a dar mais valor a estar constantemente nas notícias do que apresentar obras consistentes?

Entendi o recado e, por um momento, me deixei levar. Tomei isso como verdade e passei a me preocupar com isso também, ser visto para ser lembrado. A indústria do entretenimento produz obras incríveis, mas também é capaz de adoecer mentes. Não é difícil se iludir com as benesses deste mundo algorítmico.

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E a ilusão da TV aberta? Estar na TV, participar de uma novela, uma série, um programa, realmente, traz um impacto muito significativo para vida de um artista, porque você entra na casa de inúmeras pessoas sem pedir permissão. Você está ali, fazendo parte daquela família, daquelas pessoas e, de repente, quando o projeto acaba, você desaparece das vistas e automaticamente “parou de trabalhar”.

Isso é muito curioso! Por exemplo, minha última participação na TV aberta foi na novela Pantanal, em 2022. De lá pra cá, já perdi as contas de quantas vezes fui parado por pessoas com questionamentos como: “Quando você vai voltar a trabalhar?”; “Por que você parou de trabalhar”?

Em 2023, eu tenho trabalhado como nunca, só que fora da TV. Estou gravando meu quarto projeto audiovisual do ano, fiz dois filmes para o cinema, uma série, um filme para o streaming, onde vivi talvez o personagem mais difícil até agora. Trabalho 12 horas por dia em um set de filmagens de domingo a quinta-feira e durante meus dias de folga, sexta e sábado, circulo o Brasil com o show Silvero interpreta Belchior.

Mas para a grande maioria das pessoas, eu parei de trabalhar, porque não estou na TV.

Em 2024, continuarei gravando outros projetos, continuarei com meu show e ainda estrearei um novo espetáculo intitulado Pequeno Monstro, marcando minha volta ao teatro como ator. No ano seguinte, já tenho planos também, com um novo projeto musical. Ainda arranjo tempo para escrever semanalmente uma coluna, sempre trazendo reflexões, questionamentos, provocações e denúncias sobre o universo artístico e LGBTQIAP+.

Mas para a grande maioria das pessoas, se nos próximos anos eu não estiver fazendo novela, eu não estarei trabalhando.

O artista não trabalha apenas quando seu rosto está evidenciado em canais de grande visibilidade. Não estar na televisão ou em páginas de fofoca não significa que o artista se encontre improdutivo. Como diria Belchior em sua canção Fotografia 3x4: “Veloso, o sol não é tão bonito para quem vem”. Parece óbvio, mas a realidade é outra.

Precisamos de artistas mais conscientes de seu ofício, mas precisamos também de um público mais “apreciador de obra” e menos “seguidor de timeline”, que assista shows, que vá aos teatros, que leia os livros, que ouça músicas, que divulgue seus trabalhos. Pessoalmente falando, encontrar alguém que claramente reconhece de verdade o meu trabalho, torna nosso encontro muito mais especial.

 

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor



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