O teatro é daquele que não se entrega
A experiência de assistir ao espetáculo "Não me entrego, não!", de Othon Bastos, e o quanto um mestre tem a ensinar

Assisti a Othon Bastos no teatro e saí com a forte impressão de ter participado de uma aula, um workshop de vida e trabalho, algo tão maior do que eu esperava, que parecia destino ou providência divina. Eu, aprendiz, sentado na plateia de um teatro em Fortaleza. Ele, mestre, gentilmente dividindo o que aprendeu ao longo de 91 anos.
O espetáculo Não me entrego, não! ficou em cartaz no Cineteatro São Luiz, um dos mais importantes da cidade. Há tempos eu ouvia falar sobre a peça, mas ainda não tinha conseguido assistir por conta de outros compromissos. Calhei de vê-la na cidade onde iniciei minha vida artística.
Na peça, Othon passeia sobre sua trajetória de mais de 70 anos como artista, numa performance teatral cheia de vigor, emoção, ilusão e verdade. Imagina, aos 91 anos, com uma carreira consagrada no cinema e na TV, arriscar-se fazendo um primeiro monólogo? Quanta coragem!
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Acontece que, apesar de tratar das lutas, vitórias e percalços de sua vida como ator, Othon não faz uma peça de teatro sobre ele. Eu sei, é contraditório dizer isto, mas é que o bom teatro, o teatro que Othon acredita não é sobre quem interpreta, é sobre a conexão entre ator e plateia. O teatro é assim mesmo, um espaço mágico que te permite adentrar numa ilusão fabulosa e fazer um pacto de credibilidade com o artista, para que todos saiam transformados pela experiência.
Me identifiquei muito com tudo o que Seu Othon me apresentou, todos os perrengues, os êxitos, as escolhas e abdicações de alguém que sonha com viver de arte, e que mostra que esta não é, nem de longe, uma profissão de glamour. São tantos obstáculos no meio do caminho que é sempre mais fácil se entregar, desistir, sucumbir.
Muitos artistas hoje precisavam ver este solo, especialmente, os aspirantes que acreditam que seu ofício é tão grandioso que o mundo inteiro precisa se curvar no momento em ele se torna artista. Ou ainda aqueles que acreditam terem nascido com um enorme talento e esse “dom” é absolutamente suficiente para ser consagrado.
Ser artista exige estudo e dedicação como qualquer outra profissão. Temos obrigação de estar em dias com a ciência, o conhecimento, as atualidades, as técnicas, os conceitos, a história e a sociedade.
Quem não busca por esse caminho - sinto muito - é um artista tremendamente preguiçoso, conformado e estagnado. Movimento é chave para saber jogar o jogo da vida, do mercado, do teatro, da arte. Movimento exige coragem, ousadia e humildade. A melhor opção sempre é correr atrás, lutar e nunca se entregar!
Ao Seu Othon, meu sincero agradecimento pela aula e por jamais ter se tornado dentista. Evoé!
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor