Saiba quais as novas propostas para o teto de gastos e os efeitos para a economia

Propostas apresentadas buscam atrelar o novo teto à evolução da dívida líquida do governo

Legenda: Instituído em 2016, o atual teto de gastos tem caráter constitucional e duração de 20 anos
Foto: Arquivo

A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vem trabalhando em diversas adaptações e ajustes para iniciar o mandato em 2023. Mas um dos principais desafios será manusear as novas condições da política fiscal, definindo uma nova regra para o teto de gastos para garantir recursos para programas relevantes como o Bolsa Família (ou Auxílio Brasil).

Com algumas propostas já apresentadas, a coluna ouviu economistas para entender os efeitos e ajustes que precisariam ser acertados para garantir a estabilidade fiscal e tranquilizar o mercado.

Até o momento, foram apresentadas pelo menos 4 quatro propostas para a construção de um novo teto de gastos públicos no Brasil, considerando haver um certo consenso entre economistas de que a regra atual não está comportado a situação fiscal do País.

Criado em 2016, o atual teto de gastos prevê apenas o reajuste pela inflação dos gastos públicos do Governo Federal a cada ano. A questão é que a medida inclui investimentos e gastos sociais, como programas de transferência de renda. 

Para contornar a barreira fiscal e garantir o pagamento do Auxílio Brasil – além de outros projetos, como o da merenda escolar e das farmácias populares –, a equipe de transição e alguns economistas têm apresentado propostas de atualização do teto de gastos.

Veja também

Projetos publicados até agora

1. Elas no Orçamento

O grupo Elas no Orçamento, formado por mulheres, lançou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a revogação do atual teto de gastos e instituir a meta do endividamento como uma âncora fiscal. Além disso, a indicação para o novo arcabouço fiscal seria feito por lei,  sem caráter constitucional como é atualmente. 

A meta de endividamento médio teria um prazo de 4 anos, e o projeto excluiria os programas de transferência de renda para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza da base de cálculo da meta de resultado primário (quando se exclui o pagamento do juro da dívida pública). 

2. Partido dos Trabalhadores

A proposta do governo eleito para o teto de gastos ainda é desconhecida, mas o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin apresentou uma minuta da PEC para garantir os gastos extras, com um pedido abertura de R$ 198 bilhões para pagamento do Bolsa Família. O valor do benefício seria de R$ 600 e teria um adicional de R$ 150 a beneficiários com crianças de até 6 anos. 

A proposta exclui os programas de transferência de renda do limite do teto. Além disso, as discussões iniciais projetam um limite de despesas mais flexível, com expansão acima da inflação e possíveis exceções para determinados gastos, como investimentos. 

3. Tesouro Nacional 

A proposta do Tesouro Nacional prevê um crescimento do teto de gastos acima da inflação, baseado em taxas definidas pela evolução da dívida líquida do governo geral. Além disso, a garantia de um superavit primário daria um bônus na expansão de gastos para o governo.

4. Felipe Salto 

O ex-integrante da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI) e atual secretário da Fazenda do Estado de São Paulo também propôs uma atualização do teto baseado na evolução da dívida líquida. A ideia é usar uma meta de superavit primário calculado com base na trajetória da dívida, com esse valor sendo incluído na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). O teto seria constituído a partir da trajetória da dívida e desse resultado primário.

O que dizem os economistas

Segundo os economistas ouvidos pela coluna, todas essas propostas têm pontos positivos e acertam ao ajustar o teto de gastos pela evolução da dívida líquida. Eles também concordaram que a situação do teto precisa ser revista, uma vez que a regra já foi furada 6 vezes durante o governo Bolsonaro. 

"Todas as propostas reconhecem que o teto de gasto não é mais viável, até porque ele já vinha sendo furado no atual governo com alguns mecanismos especiais, e ele não é mais suficiente como âncora fiscal do governo, principalmente com as demandas sociais e da necessidade de investimentos e retomada de crescimento", disse Silvana Parente, presidente do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE).

A proposta já apresentada pelo vice-presidente eleito é uma parte da proposta e serve como solução de curto prazo para viabilizar o pagamento do Bolsa Família, retirando o programa do teto. Mas a nova regra ainda vai ser construída. Dentre as que já foram apresentadas, todas reconhecem que não se pode limitar só a despesa e que a regra precisa observar o crescimento da dívida pública". 

Dominância fiscal

Caso o próximo governo não consiga definir uma nova regra de controle fiscal, segundo Ricardo Eleutério, conselheiro do Corecon, há um risco do País entrar um cenário de dominância fiscal. Esse problema acaba sendo gerado quando a política fiscal acaba afetando outras esferas da economia, as políticas monetária e cambial. 

Eleutério destacou que as últimas oscilações do mercado financeiro, com alta do dólar e queda da Bolsa de Valores, têm sido uma resposta clara a essa indefinição da regra fiscal. E se o dólar continuar com tendência de alta, há um potencial, por exemplo, de elevar o nível da inflação e desencadear altas na taxa de juros. 

Esse ciclo poderia reduzir os potenciais de crescimento da economia brasileira, sendo um reflexo da falta de confiança do mercado em fazer novos investimentos no País. 

Assistimos no momento uma resposta muito forte do mercado financeiro do que se tem chamado de risco fiscal. O dólar não para de subir, a bolsa não para de cair, e dólar alta gera mais inflação, tira poder de compra. Inflação leva a altas dos juros pelo Banco Central. Então precisamos evitar o problema de dominância fiscal, que é um conflito entre as políticas fiscal e monetária, com o fiscal contaminando toda a economia e pode gerar problemas graves, como crise de confiança e afastamento de investidores externos". 
Ricardo Eleutério
economista e conselheiro do Corecon

"Todas essas propostas são interessantes. Mas é preciso sinalizar para os agentes econômicos qual será o novo arcabouço. A política monetária e cambial é feita pelo Banco Central, mas a fiscal passa pelo Congresso Nacional, onde há vários interesses, e é preciso muita negociação. Esse é um dos grandes desafios da política econômica", completou.

Foco em atração de investimentos

Para Ricardo Coimbra, conselheiro do Corecon, a evolução das discussões do teto tem evoluído bem, focando esse ajuste da limitação pela evolução da dívida pública, o que deixaria a regra fiscal com um caráter menos fixo ante a atual. 

O que a gente pode observar é que há um direcionamento para tentar solucionar o problema e o que se enxerga nesse momento é que alguma coisa teria de ser feito em relação aos recursos propostos no orçamento de 2023 e as propostas de governo. O que se pode ter, é uma junção de tirar isso do teto, mas criar um mecanismo relacionado ao crescimento da economia e o superavit primário para se ter mobilidade nos gastos do governo".
Ricardo Coimbra
economista e conselheiro do Corecon

Ele também destacou que uma boa estratégia do próximo governo é atrair investimentos estrangeiros para o Brasil, com o presidente Lula focando nas relações internacionais brasileiras mesmo antes de assumir o cargo pela terceira vez. Essa iniciativa poderia reduzir possíveis impactos e reflexos do mercado interno com essa expectativa pela nova regra fiscal. 

"É preciso se preocupar com o social, com a situação fiscal e com o crescimento de médio e longo prazo do País, além do investimento. E isso tudo está atrelado a uma agenda de atração de investimento externo, então esse momento será de reaproximação do governo brasileiro de outras economias para gerar novos investimentos e tentar alavancar o crescimento nos próximos anos, gerando esse colchão para termos mais recursos", explicou.