Mudança de regra para reajuste do salário mínimo pode gerar perda de até R$ 262 em 4 anos; entenda

Estudo do Made-USP considerou as regras de atualização de valor seguindo a expectativa da inflação e o crescimento do PIB nacional durante os próximos anos, calculando o impacto nas compras de supermercado

Legenda: A cebola e o mamão estão os itens com maiores altas
Foto: Shutterstock

Assunto discutido durante a última semana, a definição da regra para reajuste anual do salário mínimo poderá, em 4 anos, representar uma diferença de mais de R$ 250 para os trabalhadores, impactando poder de compra de uma parcela da economia e os níveis da atividade econômica.

A perspectiva foi repassada por especialistas ouvidos pela coluna e usam dados de um estudo feito pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP).

Apesar de ser obrigado a reajustar o valor do salário mínimo (SM) pelo valor da inflação do ano anterior, o governo poderia alterar essa regra e passar a considerar a expectativa de inflação para o próximo ano, segundo afirmação do ministro Paulo Guedes (Economia). 

De acordo com o estudo da USP, assinado por Lucca Henrique G. Rodrigues, João Pedro Freitas e Luiza Nassif Pires, a medida traria impacto direto ao poder de compra das famílias brasileiras nos próximos anos e poderia representar uma diferença negativa de R$ 262 reais caso o governo siga um modelo usado em anos passados de ajustar o SM pelo crescimento do PIB.

Além da diferença financeira, a pesquisa ainda aponta a mudança de regra irá gerar uma redução de "disponibilidade de alimentos" da cesta para os brasileiros. 

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Cenários distintos

Para consolidar os cálculos até os próximos 4 anos, o estudo considerou dois cenários distintos, baseando nas duas regras citadas: 

Cenário 1

"O primeiro cenário supõe crescimento baixo e desvio modesto da expectativa da inflação com relação à inflação realizada. A expectativa de crescimento do PIB utilizada nesse cenário foi retirada do Sistema de Expectativas de Mercado do Banco Central (Focus). A projeção da diferença entre a inflação e a inflação esperada foi feita pela diferença entre a meta de inflação e a inflação esperada retirada do Focus. Nesse cenário, teríamos um crescimento acumulado do PIB de 6.58% nos quatro anos e apenas teríamos desvio da inflação com relação à expectativa nos dois primeiros anos, de modo que o poder de compra do salário mínimo se manteria constante nos últimos dois anos da simulação".

Cenário 2

"Esse cenário supõe uma recuperação da economia mais robusta e propõe que a inflação esperada desviaria da inflação realizada ao longo de todo o período. A expectativa de crescimento do PIB para este cenário baseia-se no desempenho do primeiro mandato do presidente Lula entre 2003–2006. A projeção da diferença entre a inflação e a inflação esperada segue o erro da inflação durante o governo Bolsonaro entre 2019–2022. Nesse caso observaríamos um crescimento de 14.8% do PIB".

Gráfico mostra evolução do SM até 2026, calculado pelo Made-USP: 

Foto: Reprodução

Perda do poder de compra

Ainda segundo as previsões dos pesquisadores da USP, a regra mencionada pelo ministro Guedes representaria uma perda de, no mínimo, 2,24% do poder de compra dos trabalhadores que recebem o SM. No pior cenário, poderia haver uma perda de 6,86%. 

Já a regra de reajustar o mínimo pelo crescimento do PIB implicaria em um ganho de, no mínimo, 6,58% do poder de compra. No cenário mais otimista, poderia haver um poder de compra de 14,76%, caso a economia nacional repita os índices de crescimento registrado entre 2002 e 2006, considerando a metodologia usada pelo Made. 

Considerando esses dois cenários, a diferença entre os valores finais poderia ficar entre 106,91 e R$ 262,06, e acarretar em impactos diferentes para as compras de alimentos no período analisado. 

No pior cenário, o consumidor poderá conseguir comprar mais de 2,5 quilos de arroz por mês. A lista completa, que observa dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), pode ser conferida a seguir, com os resultados para cada cenário.

Veja: 

 

 

Atividade econômica 

Para Ricardo Coimbra, economista e membro do Conselho Regional de Economia no Ceará (Corecon-CE), a importância de discutir uma regra clara para os reajustes do SM, garantindo que não aja perda do poder de compra, está relacionada à manutenção ou elevação dos níveis de atividade econômica. Se os trabalhadores tiverem ganhos reais de renda durante um período de tempo, essa evolução tendem a se transformar e consumo de vários produtos, além dos alimentos. 

Ele destacou que muitas pessoas passam a comprar roupas, eletrodomésticos, e outros itens, gerando impactos positivos para a economia nacional. 

"Durante o governo Lula, até o final do governo Temer, o que se tinha de regra era a média de crescimento dos dois anos anteriores mais a inflação. Isso, de certa forma, ao longo dos anos, gerou um aumento do poder de compra do salário mínimo e capacidade de consumo da população de uma renda mais baixa, que ao ter uma melhoria, ela passa a consumir mais produtos e alimentos. São produtos de moda, vestuário, transporte, lazer, eletroeletrônicos. Você gera um aquecimento da atividade econômica", disse Coimbra. 

"Se a gente observar, quando temos um aumento de rendimento real, temos essa perspectiva", completou.

Por outro lado, quando a tendência é de perda do pode de comprar no SM, segundo Coimbra, os impactos na economia são opostos. Com um comprometimento maior da renda para gastos essenciais, como alimentação, os níveis de inadimplência e endividamento sobem. 

O cenário é semelhante ao que vem sendo registrado atualmente no País. 

"Tudo isso faz com que, com rendimento real menor, tenhamos um comprometimento maior da renda das pessoas, e por isso o nível de endividamento das pessoas vem subindo, e batendo recordes, enquanto o índice de inadimplência está bem elevado. Isso gera a necessidade de uma repactuação em relação á retomada do crescimento de renda real para se reestruturar a capacidade de consumo das pessoas e tentar ajudar a diminuir esses índices", explicou.

Cuidados necessários 

Contudo, o economista e membro do Corecon-CE, Davi Azim, o Governo Federal precisa considerar outros fatores além apenas da inflação para determinar a regra de reajuste do salário mínimo para não comprometer o nível de atividade econômica. 

Segundo ele, caso a taxa de juros esteja muito elevada, aliada a um cenário de inflação também alta, corrigir o SM usando apenas uma regra pode ter impactos diretos à operação das empresas e ao nível de atividade econômica. Ele destacou que o aumento de custos para os negócios pode acabar sendo prejudicial para a geração de vagas de trabalho, podendo aumentar a taxa de desemprego.

Esse cenário seria, segundo Azim, prejudicial até para os trabalhadores, mesmo com um aumento do salário mínimo acima da inflação. 

"É preciso afirmar que não temos uma inflação elevada, e o controle da inflação é muito importante para perder o poder der compra. Se temos inflação elevada, e o salário mínimo precisa se ajustado acima da inflação para se manter algum tipo de ganho real, isso também impacta as empresas. Inflação alta significa menor poder de comprar e as empresas deixam de girar atividades. Isso prejudica empregos, a renda e o consumo das pessoas", disse. 

"Existem outros fatores que precisam ser considerados. A inflação é importante, mas a taxa de juros também. Se você aumentar o salário mínimo, dependendo de como está o processo inflacionário, na realidade, podemos prejudicar o cidadão que busca por emprego", completou.

Nota do Ministério 

Apesar das projeções do ministro Paulo Guedes sobre os reajustes ao SM, o Ministério da Economia emitiu uma nota afirmando não há "qualquer plano" até o momento.

Confira na íntegra: 

"O Ministério da Economia informa que não há qualquer plano para alterar as regras dos reajustes anuais do salário mínimo e das aposentadorias pela inflação (INPC).

O ministro Paulo Guedes afirma que o salário mínimo e as aposentadorias serão corrigidas, no mínimo, pelo índice da inflação, podendo inclusive, ter uma correção acima deste percentual.

É falaciosa a informação de que o ministério pretende adotar medida que possa causar danos à camada mais frágil da população.

O fato é que o governo priorizou a assistência aos mais frágeis, com programas de apoio durante a pandemia. O governo triplicou o valor do Auxílio-Brasil, além de estender o alcance do programa para mais de 20 milhões de famílias. Nem mesmo durante o momento mais crítico da Covid-19, os reajustes deixaram de ser integralmente aplicados."