Entenda as polêmicas que envolvem a licitação do Crediamigo do BNB

Fontes afirmam à Coluna que a concorrência pode ter sido facilitada para favorecer certas empresas

Legenda: Crediamigo é uma poderosa ferramenta de concessão de microcrédito
Foto: Kid Júnior

A operação do maior programa de microcrédito do Brasil pode estar entrando em mais um capítulo polêmico depois dos sismos envolvendo as relações com o Instituto Nordeste Cidadania (Inec), responsável pelo CrediAmigo, do Banco do Nordeste (BNB) que culminou no encerramento da parceria. Com licitação "direcionada", como alegam múltiplas fontes ouvidas por esta coluna, o BNB pode acabar escolhendo um projeto desvantajoso.

O processo, afirmam as fontes, pode ter sido organizado para favorecer empresas específicas, entre elas, o Banco Cactvs, do empresário Fernando Passos, investigado por supostas irregularidades. A licitação conta com mais duas concorrentes, a CredNatal (Instituto Comunitário de Crédito de Natal) e a Adesba (Associação de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável e Solidário do Estado da Bahia).

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O CrediAmigo vem chamando atenção do mercado nacional por, atualmente, contar com mais de 2,24 milhões de clientes ativos e ter aplicado cerca de R$ 9,52 bilhões em 2020, registrando mais de 3,54 milhões de empréstimos em no ano passado. De acordo com dados do BNB, o CrediAmigo é o maior programa de microcrédito produtivo e orientado da América do Sul. 

Segundo uma das fontes ouvidas, algumas empresas desistiram ao avaliar o edital de licitação de operação do CrediAmigo por avaliar que as condições estavam muito "dirigidas" a certos concorrentes. Em nota, o BNB nega que haja favorecimento (leia na íntegra abaixo).

Além desse suposto favorecimento, o processo interno de transferências de atividades, passando o Inec para o próximo operador, também não estaria pronto, o que pode gerar diversas perdas da operação e reduzir a efetividade do CrediAmigo no Nordeste.

Caso isso acontecesse, o BNB poderia perder força e lucratividade, segundo as fontes ligadas ao Banco, fazendo com que parte dos clientes migrasse para outras instituições privadas. 

Todo o processo ainda pode passar por auditorias da Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Banco Central (BC).

Processos, perdas e suspeitas

Para entender o caso, é preciso voltar alguns meses, quando o Governo Federal sofreu pressão de partidos do Centrão político para a retirada do Inec da operação com o BNB. A justificativa era eliminar a participação de uma organização que estaria relacionada a antigos governos do PT (Partido dos Trabalhadores). 

Com o fim da parceria com a ONG, o BNB começou a trabalhar em uma possível sucessão e na criação de um edital. Nesse mesmo período, teria se fortalecido o lobby de Fernando Passos, diretor do Cactvs que já teve passagem pela diretoria do Banco do Nordeste, acumulando, inclusive, um histórico de supostas irregularidades entre 2012 e 2013. 

Segundo o relato de pessoas ligadas ao Banco, nos últimos meses, desde a abertura do Cactvs, Passos teria buscado atrair funcionários do Inec e do Banco para fortalecer a operação interna de microcrédito. 

Segundo fontes, Passos ainda teria conseguido que Antônio Jorge, ex-diretor financeiro e de crédito do BNB, se licenciasse para colaborar com a atividade do Cactvs. Mas a iniciativa teria sido interrompida por "conflito de interesses", já que as instituições atuavam no mesmo segmento. 

Uma das fontes ouvidas pela reportagem ainda comentou haver interesses em adquirir a metodologia utilizada pelo BNB e o Banco do Nordeste. 

"O que está por trás disso é um mercado que é inexplorado pelos bancos no Brasil, de 40 milhões de potenciais consumidores. Nem mesmo os bancos digitais conseguiram acessar plenamente esse público", completou.

Projetos antigos

Além de todas as questões já listadas, o BNB ainda teria deixado de lado um projeto de 2019 que poderia render cerca de R$ 5 bilhões aos cofres internos a partir de uma parceria com outra instituição privada para operação do microcrédito. 

"Em 2018, o então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, veio a Fortaleza para conhecer o programa. Dessa visita, começaram a negociar com a equipe de transição a possibilidade de criação de uma subsidiária do BNB para operar o Crediamigo em escala nacional. Eles aprovaram com a condição que viesse um sócio com capital e tecnologia para que o negócio não fosse dependente de dinheiro público", explicou uma fonte.

"Esse sócio pagaria para entrar no negócio. Avaliou-se que o banco poderia levantar algo como R$ 5 bilhões com esse processo. O que estamos fazendo agora é o contrário: o BNB irá pagar para alguém entrar na atividade", completou.

Operações suspeitas

Atualmente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) registra três processos abertos em relação à atuação da IRB - Brasil Resseguros S.A., que teriam relação com a atuação de Fernando Passos. 

O gestor do Cactvs estaria à frente de um esquema de fraudes contábeis, que custaram mais de R$ 30 bilhões em valor de mercado para o IRB na Bolsa de valores. 

  1. Processo Administrativo CVM nº 19957.008600/2020-05;
  2. Processo Administrativo CVM nº 19957.001136/2021-07;
  3. Processo Administrativo CVM nº 19957.003255/2021-96. 

Resposta do Cactvs

Questionado sobre o assunto, o Banco Cactvs afirmou que Fernando Passos não figura como acusado em nenhum processo na CVM e que não foi processado administrativamente pela autarquia. Em nota, a empresa ainda afirma que o que determina a realização de concorrência pública é a Constituição Federal e legislação brasileira. Confira a resposta completa:

"Fernando Passos NÃO figura como acusado em nenhum processo perante a CVM. NUNCA foi processado administrativamente pela autarquia e mantém registro regular perante ela. A certidão e o documento que envio em seguida provam isso. Uma empresa financeira apresentou há 19 meses uma denúncia à CVM, mas a autarquia entendeu que a denunciante tinha conflito de interesse no caso, o que foi confessado por ela mesma. As investigações decorrentes dessa denúncia não citam Fernando Passos. O que determina a realização de concorrência em empresas públicas ou estatais não é o interesse privado, mas a Constituição e a legislação brasileira. As leis nacionais estipulam a concorrência como base da transparência, do menor preço e do melhor atendimento ao público".

BNB nega favorecimento

Já o Banco do Nordeste defendeu que não há favorecimento no processo de operacionalização do CrediAmigo, e que a previsão é de que os novos processos devam gerar melhora ao programa a partir de 2022. 

"Não há direcionamento ou favorecimento na seleção das empresas no modelo Credenciamento para a operacionalização do CrediAmigo. Os critérios de seleção são estabelecidos pelo Edital 141/2021 e o corpo técnico do Banco do Nordeste encontra-se em fase de análise documental dos proponentes. A plena operação e a melhoria contínua de performance dão a tônica do Programa CrediAmigo, que atualmente conta com mais de 2,4 milhões de clientes ativos. Com a mudança no modelo de operacionalização, o Banco do Nordeste está empenhado em iniciar 2022 com o CrediAmigo ainda melhor, com vantagens e benefícios que garantem seu diferencial e a sua liderança em microcrédito", disse o BNB.

Já em relação aos processos que teriam relação com Fernando Passos, o Banco do Nordeste afirmou que não comenta assuntos externos.

"O Banco do Nordeste comenta apenas assuntos relativos ao próprio BNB", afirmou.



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