Contribuintes pagam IPTU, mas não podem construir em terrenos no Porto das Dunas; entenda impasse

Contribuintes precisam entrar na Justiça se sentirem prejudicados. Como não há previsão de isenção do imposto em área de proteção, a Prefeitura de Aquiraz pode cobrar o imposto devido

Legenda: Contribuintes reclamam de cobrança do IPTU mesmo sem poder construir em terrenos no Porto das Dunas
Foto: Fernanda Siebra

Júlio, arquiteto autônomo, esperava que um dos seus investimentos poderia servir como solução durante a crise causada pelo novo coronavírus. O plano era vender um terreno no Porto das Dunas, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, que havia sido comprado há mais de 30 anos.

O problema é que o único comprador em potencial desistiu da compra ao saber que não poderia construir nada no terreno, já que o lote está localizado dentro de uma Área de Proteção Permanente (APP) de Duna Fixada na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Pacoti, administrada pelo Governo do Estado. 

Com o impasse, Júlio, agora, integra um grupo de pessoas que segue pagando anualmente o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) à Prefeitura de Aquiraz sem poder erguer nenhuma edificação e sem conseguir se desfazer do bem. O investimento se transformou em um gasto permanente.

O autônomo de 59 anos disse que comprou o terreno quando ainda tinha 29 anos e esperava usar os recursos de uma possível venda como uma ajuda para a aposentadoria.

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"Eu comprei o terreno legalmente, há 30 anos, e achei que ali seria uma ajuda em um momento de sufoco, em uma aposentadoria. E foi uma frustração, até porque eu tive de gastar com ele. Ali já é uma área antropisada, urbana, até porque já tem calçada, rua, posteação, cabeamento. Já está configurada como área urbana, mas não posso fazer nada", disse Júlio. 

Atualmente, o arquiteto paga, por ano, entre R$ 6 mil e R$ 7 mil referente ao IPTU pelo terreno avaliado em R$ 300 mil. 

"Eu estou muito triste e inconformado com essa situação porque se tinha um patrimônio que some da sua mão e ainda se tem prejuízo sem poder fazer nada", afirmou. 

O caso é semelhante ao da perita criminal aposentada Ana Célia Fontenele, que comprou três lotes semelhantes ao de Júlio, ainda em 1998. A ideia era construir uma casa para cada uma das três filhas ou vender os imóveis como um investimento de longo prazo.

Mas, assim como o arquiteto, quando ela entrou com um pedido de alvará de construção para a Prefeitura de Aquiraz, o pedido foi negado. 

A afirmação era a mesma: o local se encontra em uma APP de Duna Fixada. 

"Se eu não tenho direito de entrar no terreno ou de construir nada, e pagamos o IPTU todo ano sem deixar passar o prazo,  eu acho que o Estado deveria ao menos me reembolsar. Se o loteamento foi aprovado eu não deveria ser obrigada a descobrir se eu poderia construir ou não, ou se é uma área de proteção ambiental", defende a aposentada.

Proteção ambiental 

Segundo a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), não há problemas em se construir em APAs, já que elas são constituídas de áreas públicas e privadas. Contudo, é expressamente proibido construções em APPs, como as que foram definidas para a área onde os terrenos de Júlio e Ana Célia. 

Além disso, a relação da Sema com os processos aos quais o Diário do Nordeste teve acesso limitam-se apenas à averiguação de localização dos terrenos. O interessado em construir entra com um pedido no ente municipal, que encaminha o processo à Sema, quando a área de proteção é responsabilidade do Estado. A Secretaria então identifica o local e faz, ou não, a liberação. 

Questão jurídica

Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), João Alfredo, os contribuintes assumiram um risco ao comprar um terreno em áreas próximas a uma duna, mesmo que a APA tenha sido instituída depois do momento da compra. 

Júlio, por exemplo, comprou o terreno em 1991. Já Ana Célia e o marido adquiriram o imóvel em 1998. A APA do Rio Pacoti foi definida apenas em fevereiro de 2000.

"Quem compra (terreno) em uma área dessas está comprando um risco. Não é uma área comum, num terreno plano, é uma área com dunas, próxima de um rio", disse. 

Segundo o representante da OAB, restaria aos contribuintes acionar a justiça para resolver qualquer impasse com a Prefeitura de Aquiraz, já que, pela, legislação municipal, se não há a descrição de possível isenção tributária em áreas de preservação no código da cidade, a prática seria legal. 

Como não há uma definição sobre liberação da cobrança de impostos de Aquiraz, não há problema da Prefeitura cobrar o IPTU dos donos dos terrenos. 

"Essas pessoas devem procurar uma orientação privada de um advogado. Mas o interesse público se sobrepõe o interesse privado. Todo mundo tem o direito de buscar o próprio direito e se não houver uma margem ou determinação de não ter isenção do IPTU", orientou João Alfredo. 

Decisão municipal 

Amparada por esse cenário, a Prefeitura de Aquiraz confirmou que, independentemente da situação dos contribuintes, ela continuará cobrando o IPTU, já que o loteamento já fora registrado em cartório. A administração municipal afirmou que "todos os lotes do Loteamento Porto das Dunas, estão "passíveis de cobrança do IPTU". 

"Acontece que o Loteamento Porto das Dunas, já fora registrado em cartório há vários anos, tendo inclusive a implantação da infraestrutura parcialmente implantada, como acesso às quadras, lotes e iluminação pública, restando as áreas públicas já doadas ao município, portanto, ficando todos os lotes passíveis de cobrança de IPTU", diz a Prefeitura.

"O imposto municipal IPTU, é um imposto cobrado de quem tem um imóvel urbano. O fato gerador do IPTU consiste na propriedade, no domínio útil ou na posse de bem imóvel localizado em zona urbana municipal. Pode ser casa, apartamento, sala comercial ou qualquer outro tipo de propriedade em uma região urbanizada, independente de restrições ambientais que por ventura existam ou venham a existir posteriormente", completa a administração municipal em nota.



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