O corpo de Bento XVI vai ser sepultado nesta primeira quinta-feira de 2023. Desde o anúncio da morte no Vaticano, na semana passada, aos 95 anos, muito já foi dito sobre o religioso: a sua contribuição decisiva para o papado de São João Paulo II, o próprio papado que se encerrou com uma abdicação histórica do trono, o capricho com que refletiu e teorizou sobre a fé cristã, a gentileza que compartilhava com os mais próximos.
Joseph Aloisius Ratzinger foi um doutor da igreja. Ninguém duvida. O que este colunista sertanejo gostaria de compartilhar é muito mais modesto que isso, porém essencial para a história do Cariri. Pode-se dizer que o papa emérito concretizou uma profecia do Padre Cícero.
Nos anos de agonia que viveu entre os século XIX e XX, Cícero Romão Batista, escorraçado pelo clero e amado pelos fiéis, nunca quis fundar uma religião. Dizia que, apesar da imcompreensão à época quanto à fé professada no Cariri, um dia a própria Igreja Católica faria a sua defesa.
E assim aconteceu. O mais expessivo e poderoso defensor foi o papa emérito.
Essa é uma constatação a que se pode chegar pelas mãos de pensadores e religiosos. A obra "Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão", do jornalista Lira Neto, tem como prólogo a narrativa do esforço empreendido pelo então cardeal Ratzinger para reabilitar o Padim. "Nos bastidores do Vaticano, o futuro papa Bento XVI planeja redimir um padre maldito", escreveu o colunista deste Diário do Nordeste.
Esta semana, a morte do papa emérito fez com que religiosos do Cariri recordassem o quão determinante foi o trabalho dele para o futuro Beato Cícero. O bispo emérito do Crato, dom Fernando Panico, publicou fotos históricas e também escreveu sobre cada registro.
Numa primeira fotografia, aparece o bispo presenteando o papa com um exemplar do livro "Padre Cícero: sociologia de um padre, antropologia de um santo", do professor Antônio Mendes da Costa Braga. Na legenda, Panico confirma que o papa emérito foi quem solicitou e acompanhou o processo de reabilitação histórico-eclesial do Padre Cícero.
"Eterna gratidão da Diocese do Crato", escreveu o bispo. Numa segunda foto, o papa procura num mapa do Brasil onde fica a "Diocese Romeira", o Crato, sede da Igreja Católica no sul do Ceará.
Outro religioso que compartilhou fotografia é o padre Paulo Lemos, pároco de São José Operário na Ponta da Serra, no Crato, e ex-pároco de Santana do Cariri, a terra da Beata Benigna. Era maio de 2006, Lemos aparece no Vaticano em frente a Bento XVI, tendo ao lado a já falecida freira belga irmã Annette Dumoulin, quando foram entregar o processo de reabilitação do Padim. É evidente a simpatia do papa.
Bento romeiro
O último fato que aqui relato carece de registro fotográfico, mas foi narrado por testemunha. O padre Edson Bantim, que hoje é pároco de Nossa Senhora de Fátima no Crato, recorda-se de uma cena inesquecível no Vaticano, onde estudava.
Num dia de muito silêncio na cidade papal, podia-se ouvir o som do piano dedilhado pelo papa. Bento era exímio pianista. A paixão dele pelo instrumento inspirou uma das cenas mais belas de "Dois Papas", filme de Fernando Meirelles.
Assim, pode-se dizer, sem cometer pecado algum, que, se hoje o Padim já tem o título de Servo de Deus e está em vias de tornar-se Beato, é porque Bento também era um romeiro.