Beata Benigna consolida fé popular e denuncia violência de gênero que marca história do Cariri

Beata Benigna consolida institucionalização da fé popular e denuncia violência de gênero que marca história do Cariri

Legenda: A beata Benigna consolida a institucionalização da fé popular e denuncia violência de gênero que marca história do Cariri
Foto: Antonio Rodrigues

O dia foi emocionante. Mesmo o ser humano de pouca fé acaba por despertar esperança ao ter conhecimento sobre a breve vida da Beata Benigna. A adolescente órfã de pai e mãe que cuidava de duas idosas que a adotaram tinha um temperamento conciliador. 

"A sensibilidade espiritual, a profundidade dos seus conselhos, das suas orientações, as suas palavras são marcadas por um ensinamento profundo que alcança a alma das pessoas", afirma o padre José Vicente Pinto, que participou diretamente do processo.

Era uma menina com coração de anjo cujo destino foi interrompido pela violência aos 13 anos durante uma tentativa de estupro. Num tempo em que sobra desavença e falta conciliação, a Beata Benigna deixa um testemunho de paz para todos nós, dos católicos aos ateus. 

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No pouco tempo em que viveu neste mundo, Benigna Cardoso da Silva sempre usou palavras que servissem de ponte, que unissem as pessoas. É o que contam os que conviveram com ela. E essa expressão de santidade está entre as principais características do processo que convenceu o Vaticano a escolher a primeira beata do Ceará.

É nobre o testemunho dessa mártir sertaneja que chega à honra dos altares, mas este colunista gostaria de levar ao leitor um pouco sobre o que está por trás dessa decisão.

Para essa tarefa, contei com o trabalho de duas pesquisadoras do Cariri, mulheres que, do seu lugar de fala, podem expressar este momento.

Fé popular foi acolhida

A antropóloga Renata Marinho Paz aponta o fato de a Igreja Católica reconhecer oficialmente uma devoção popular.

"Demonstra o desejo da instituição de acolher e de estar próxima da fé e da experiência religiosa dos fiéis. Com isso, também revela o esforço de atuar mais firmemente face ao movimento de concorrência religiosa, muito forte no cenário contemporâneo", disse a pesquisadora, autora de "Para onde sopra o vento", livro que analisa o fenômeno da religiosidade no Cariri.

A pesquisadora também aponta o fato de o dia da beatificação ser o mesmo de combate ao feminicídio no Ceará, 24 de outubro, o que soma esforços na luta contra a violência de gênero.

Santificação de mulheres revela sede por justiça

Esse também é um ponto destacado pela doutora em Educação Polianna de Luna Nunes Barreto. Ela desenvolveu tese que analisa como as representações de santidade estão ligadas à violência no interior do Ceará.

"Nos meus estudos, eu não observei outro território no Brasil que reúna tantos processos de santificação de mulheres como a região do Cariri. Ao mesmo tempo em que nós temos altos índices de violência de gênero, temos processos de santificação popular de mulheres em muitas comunidades do Cariri. Isso não parece ser uma coincidência. Muitas vezes, as populações buscam o espaço do sagrado na medida em que não observam no espaço material do humano a satisfação de suas necessidades cotidianas, como é a satisfação por justiça", afirma a pesquisadora.

Só no Cariri, além da Beata Benigna, é possível encontrar devotos de Mártir Francisca, em Aurora, Francisca do Socorro, em Milagres, Mártir Filomena, em Mauriti, Maria de Bil, em Várzea Alegre, entre outras, todas mulheres que foram vítimas da violência de gênero e que hoje são cultuadas como santas.

"Esse fenômeno de santificação de mulheres tem que ser compreendido não como um episódio isolado, mas como um elemento que dialoga com a violência de gênero e com a impunidade histórica dessa violência. A população busca o sagrado quando o Estado falha", disse a pesquisadora.

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