Os ventos soprando no Nordeste foram fundamentais para ajudar o país a navegar pelo desafiador cenário hídrico ao longo do ano de 2021. Com chuvas abaixo da média no ano passado e até meados desse ano, o país passa por uma das mais críticas situações hídricas de sua história. A matriz energética nacional, ainda que mais diversificada do que no passado, segue bastante dependente do regime de chuvas, com cerca de 70% da nossa capacidade instalada de geração de energia vindo de hidrelétricas.
Na presença de eventos climáticos adversos, como por exemplo a La Niña de 2020, o regime de chuvas pode ser prejudicado e, portanto, o abastecimento desse tipo de geração fica comprometido, trazendo risco para todo o Sistema Integrado Nacional (SIN). Com menos geração hidráulica, outras fontes são acionadas para auxiliar na oferta nacional, em especial o parque térmico, inevitavelmente poluente. Mais recentemente, o ajuste tem vindo pela geração eólica, onde a região Nordeste ocupa isolado lugar de destaque.
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A expansão da matriz eólica no Brasil traz números impressionantes. A capacidade instalada desse tipo de usina passou de ao redor de 1GW em 2010 para próxima de 20 GW longo do ano de 2021. Desse total, praticamente 90% é gerado na região Nordeste. A maior parte, historicamente, vindo do Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará, mas estados como, por exemplo, o Piauí tem aumentado sua participação recentemente.
A geração eólica na região Nordeste, inclusive, registrou valores recordes em diversos dias ao longo da temporada de ventos na região, que se estende de junho até dezembro. Nos dias 21 e 23 julho e 25 de agosto passado, por exemplo, o consumo diário na região, que conta com quase 58 milhões de habitantes, foi praticamente todo atendido por esse tipo de geração, em cenário de autossuficiência histórica.
Os números deixam claro: a importância da energia eólica para a matriz nacional é essencial e segue crescente. A sazonalidade também está do lado das eólicas: os ventos se intensificam no período em que as chuvas ficam escassas e os reservatórios esvaziam. Há aqui uma complementaridade quase ensaiada entre essas duas fontes de energia limpa. Além disso, as linhas de transmissão no SIN mais do que duplicaram em extensão ao longo dos últimos 20 anos, garantindo, assim, que essa energia atenda de maneira segura todos os cantos do país.
Além dos ventos, o sol da região também tem ajudado cada vez mais nossa matriz energética. Em determinados dias do ano, também sob valores recordes, se atendeu perto de 20% da demanda regional totalmente via placas fotovoltaicas. Outra possibilidade, é a chamada “hibridização”, quando usinas eólicas e fotovoltaicas trabalham de forma integrada. A região Nordeste se situa, então, como exemplo para o país e o mundo no quesito energia limpa, renovável e com capacidade de atendimento em grande escala. A expansão do uso desse tipo de energia, no entanto, não vem sem custo, com necessidade de maiores investimentos na integração do sistema para intercâmbios regionais e controle da flexibilidade e instabilidade vinda desse tipo de geração.
O Brasil possui uma das matrizes de geração energética mais limpas do mundo. Parte incremental relevante vem da geração eólica, em especial da região Nordeste. Dadas as incertezas recorrentes de mudanças climáticas afetando o regime de chuvas brasileiro, é imprescindível que o sistema de geração nacional seja diversificado ainda mais. Nesse sentido, o avanço da geração eólica ocupa lugar de destaque, como uma fonte limpa, renovável e com sazonalidade complementar ao regime de chuvas. Dada a importância crescente dessa fonte, os ventos da região Nordeste desempenham cada vez mais papel fundamental dentro do parque nacional. Essa coluna é baseada em trabalho de minha colega Júlia Passabom.
Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor