Cid testa cenário em que colocaria seu nome à Prefeitura de Fortaleza: 'Meu partido ia me vetar?'
Em entrevista ao PontoPoder, senador usa estratégia quase filosófica na busca por pontos de convergência entre atuais adversários
Eu e Wagner Mendes entrevistamos nesta sexta-feira (20) o senador e presidente do PDT Ceará, Cid Gomes. A conversa aconteceu na esteira de uma semana agitada para os pedetistas, com uma queda de braço judicial entre Cid e o deputado federal e presidente nacional interino do partido, André Figueiredo. Na segunda (16), Cid foi eleito presidente do PDT. Minutos depois, uma liminar suspendeu os efeitos da reunião que elegeu Cid e manteve Figueiredo na presidência estadual. Dois dias depois, a liminar cai, e Cid tem a eleição validada. A saga, no entanto, continua longe do fim. No olho do furacão, estão as estratégias pré-eleitorais de 2024, especialmente a disputa pela Prefeitura de Fortaleza. E se o senador achou pouco ter jogado para o público o nome do ex-prefeito Roberto Cláudio como possibilidade de escolha do Diretório Municipal nesta semana, Cid mexe no cenário mais ainda ao testar os limites das convicções com um exercício, digamos, até simples…
"Estou cogitando ser candidato a prefeito de Fortaleza"
Antes de tudo, calma, essa não é uma frase óbvia. Não é o lançamento da pré-candidatura do senador à já tão disputada Prefeitura de Fortaleza. É um “extremo” como diria o próprio Cid, lançado à mesa para testar o fundamento e a imutabilidade de declarações que colocam PT e PDT em arenas adversárias e tratam como inquestionável, por exemplo, as defesas de candidaturas próprias.
Cid é um defensor utópico (como ele mesmo diz) de uma aliança entre PT e PDT e todo um arco de partidos aliados, como PSB e PSD, para as eleições de 2024. Sabe bem ele, no entanto, que esbarra num acirramento municipal que soma uma década e numa crise estadual que já completou o primeiro aniversário entre lideranças estratégicas da disputa em Fortaleza.
Na entrevista ao PontoPoder, ao opinar sobre os rumos do PDT entorno de uma possível candidatura à reeleição de José Sarto ou de um suposto retorno de Roberto Cláudio ao pleito municipal, Cid faz uma declaração que sinaliza para ciência do poder de influência que seu discurso tem na base política cearense.
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“Eu não quero ser – vou deixar isso bem claro - não quero ser o protagonista da eleição municipal de Fortaleza, mas me sinto no dever, na obrigação de dar minha opinião para que as pessoas que pensam como eu, afinem comigo, ou para que as pessoas saibam claramente que não deve ser do meu lado que ela vai ficar. Se ela pensa diferente, ela deve procurar outro caminho”, diz Cid.
De volta ao “exercício” de Cid sobre uma candidatura à Prefeitura de Fortaleza, o caminho dele remonta a certa ironia socrática, à estratégia de Sócrates, o "pai da filosofia", de testar o interlocutor com perguntas e respostas capazes de mostrar que o conhecimento que julgava possuir nada mais era do que uma interpretação parcial ou uma mera opinião, um pré-conceito.
Se vai funcionar nesse caso, é outra história. Havia quem se incomodasse com o método do filósofo e abandonasse a discussão. Mas faça o teste você mesmo.
A seguir, a “ironia de Cid”:
“Tenho cometido alguns extremos e fiz isso com uma pessoa e vou fazer aqui com vocês. Me diga uma coisa, se eu chegasse agora pro Camilo (Santana, ministro da Educação), pro Elmano (de Freitas, governador do Ceará) e dissesse assim: 'Olha, eu tô cogitando mudar meu título para Fortaleza e eu tô cogitando ser candidato a prefeito de Fortaleza' (...) Estou instigando.
Isso era uma absoluta maluquice?
Pode ser uma absoluta maluquice.
Isso seria levado em conta? Será que o (José) Guimarães ia pensar duas vezes antes de dizer que — podia ser que não — 'o Cid nem pensar, tem que ser é do PT mesmo'. Mas enfim, estou colocando isso porque eu sei que, de alguma forma, o Camilo tem atenção, respeito por mim. O Elmano, creio que, com a pouca convivência que a gente teve, deu para notar que eu não sou mais um fisiológico que quer, pelo contrário, no que eu puder ajudar o governo dele, eu o farei, sem subserviência, farei com gosto, pelo espírito cidadão.
E o meu partido ia me vetar? Seria: 'Não, o Cid nem pensar'.
Por quê? 'Porque o Sarto é prefeito, tem direito à reeleição'.
Sim, mas e a Izolda (Cela) que era governadora e tinha direito à reeleição?
O André (Figueiredo) vai dizer que não mereço isso?
O Ciro vai dizer que é um absurdo eu querer ser candidato a prefeito de Fortaleza?
Estou só atiçando. Na realidade, eu queria que algumas pessoas pudessem dizer: 'Se for o Cid, eu posso pensar um pouco'. O que eu gostaria era que dissessem isso. E se disserem isso, eu vou dizer: 'Se posso ser eu, por que não pode ser outra pessoa?' No fundo, no fundo, eu quero que se admita a possibilidade de o PT apoiar um nome do PDT. E, se me exponho nessa condição, sabendo exatamente que não serei (candidato), sabendo claramente que não serei, mas é para se: 'Se admite a mim, por que não admite outro?'”.
Percebe a minúcia, a pequena parte que compõe o todo?
Cid diz não crer que as pessoas mudem tão facilmente, mas, bem como Sócrates, compreende que cada pessoa toma consciência por si mesma, a partir da reflexão. A estratégia das perguntas era levar o interlocutor a dar luz às próprias ideias. Como muitas das questões de Sócrates, conhecidas pelos Diálogos de Platão, a argumentação pode terminar numa questão irresoluta, porém não infrutífera: de um jeito ou de outro as crenças do interlocutor e do próprio questionador são colocadas à prova.
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“Fiz o exercício de admitir (a candidatura) só para ver se alguém considera isso razoável pra, pegando esse gancho, imaginar que possa ter outra pessoa, não me considero único no mundo”, diz ainda Cid, durante a entrevista ao PontoPoder.
A pouco menos de um ano das definições eleitorais, todo exercício é válido. Em cenários caóticos da política local, por muito menos o nome de Cid já foi jogado na roda de pré-candidatos em bastidores ou em publicações duvidosas nas redes sociais. Não estranha que, tal hora, ele mesmo brinque com isso. A realidade tem, porém, muitas outras nuances. E, nesse entorno do PDT, haja exercício de reflexão para se chegar a consensos.
Repito: calma, Cid não lançou sua pré-candidatura. Ainda estamos no capítulo da disputa pela presidência do PDT Ceará. Como diria o senador (quem sabe Sócrates não já teria dito isso também): “Cada dia com a sua agonia”.
*Esse texto foi publicado em primeira mão para os assinantes do Diário do Nordeste, na newsletter semanal Antessala. Seja também um assinante do Diário.
Veja a entrevista completa de Cid Gomes: