Hub falho e limitado: Gol reduz pela metade voos em Fortaleza e abre espaço para concorrentes

Legenda: Gol vai reduzir pela metade número de decolagens em Fortaleza
Foto: Fabiane de Paula

A Gol Linhas Aéreas deixou de atender ao decreto de hub aéreo com o estado do Ceará ainda em 2022, após quase 5 anos de adesão. Pela legislação, a companhia deveria implementar até julho de 2022, média de 20 decolagens por dia e 1 voo internacional por semana, termos que conseguiu cumprir até o fim do ano.

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Porém, a partir de dezembro 2022, deveria cumprir 25 decolagens médias por dia (50 voos diários). Como escolheu não cumprir mais os termos, passa a não ter mais isenção de ICMS nas “operações e prestações relacionadas à construção, instalação e operação de Centro Internacional de Conexões de Voos - HUB, e de aquisição de querosene de aviação.”

O que diz o decreto de isenção de ICMS

I – até julho de 2022, de ao menos 1(um) voo semanal internacional, operado com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 40 (quarenta) voos diários com interligação nacional;

II – até dezembro de 2022, de ao menos 1 (um) voo semanal internacional, operado com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 50 (cinquenta) voos diários com interligação nacional;

III – até março de 2023, de ao menos 2 (dois) voos semanais internacionais, operados com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 50 (cinquenta) voos diários com interligação nacional;

IV – até junho de 2023, de ao menos 3 (três) voos semanais internacionais, operados com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 50 (cinquenta) voos diários com interligação nacional;

V – até setembro de 2023, de ao menos 4 (quatro) voos semanais internacionais, operados com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 50 (cinquenta) voos diários com interligação nacional;

VI - até dezembro de 2023, de ao menos 5 (quatro) voos semanais internacionais, operados com aeronaves de corredor duplo (widebody), e de 50 (cinquenta) voos diários com interligação nacional”.

O resultado imediato é que já em janeiro de 2023, tivemos a pior alta estação de Fortaleza desde janeiro de 2013 (descontado jan/2021, período agudo de pandemia).

Veja os números abaixo, conforme dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Movimentação Passageiros em Fortaleza

  • jan/13: 544 mil
  • jan/14: 593 mil
  • jan/15: 672 mil 
  • jan/16: 636 mil
  • jan/17: 615 mil
  • jan/18: 606 mil
  • jan/19: 725 mil
  • jan/20: 696 mil
  • jan/21: 417 mil
  • jan/22: 582 mil
  • jan/23: 582 mil

Assim, a principal causa da alta estação ruim pode ser apontada aos mais de 40 mil passageiros que a Gol não transportou em janeiro desse ano, devido à redução de voos.

Enquanto outras companhias cresceram com vigor, a Gol infelizmente, despencou, segundo números abaixo:

Movimentação da Gol em decolagens por mês em Fortaleza, aproximadamente

  • jan/19: 1.000
  • jan/20: 800
  • jan/21: 700
  • jan/22: 800
  • jan/23: 500

O pior ainda estaria por vir, quando a partir de abril deste ano, a quantidade de operações da companhia em Fortaleza cairia brutalmente, para uma média de 11 decolagens por dia, aproximadamente, 50% de 2022.

Hub Gol

Se metade dos 43 mil passageiros que não voaram, tivessem viajado, o Pinto Martins estaria num patamar de pré-pandemia de 2018.

Portanto, foi uma redução grande da companhia laranja, na contramão do mercado e igualmente sem precedentes. Na verdade, janeiro sempre foi um mês em que a companhia aportava voos extras, trazendo destinos novos. Para se ter ideia, em 2019, a Gol chegou a operar quase 1.000 decolagens no mês, época em que Fortaleza era a maior base da companhia no Nordeste:

O hub Gol de 2018 trouxe um aporte enorme da ordem 1 milhão de passageiros a mais para Fortaleza e trouxe também grandes players mundiais como Air France e KLM. A parceira da empresa com o Governo do Estado era modelo para o Brasil.

O curso dessa parceria se alterou bastante, porém, com a falência da Avianca (quando a Gol procurou suprir voos em Salvador) e com a indisponibilidade mundial do Boeing 737-max em 2019:

  • A falência da Avianca levou mais voos Gol a Salvador.
  • A quebra do Max retirou aviões Gol de Fortaleza.

Em 2019, com o problema do Max, a Gol alegou incapacidade de manter o número mínimo de operações em Fortaleza (25 decolagens/dia, conforme já mencionamos). O Governo do Estado diligenciou aprovação de redução de decolagens, portanto para 22 por dia e a Gol manteve assim, suas isenções de ICMS. 

A parceria do Estado fez com que Fortaleza fosse, em alguns momentos, a terceira base da Gol do Nordeste. São dados estranhos, dado que a relaxação do decreto oficial não gerou uma relação ganha-ganha.

A partir da segunda metade de 2019 os voos da Gol na Capital cearense passavam por indisponibilidades para alguns destinos. Em dias de grande demanda como quintas e sextas-feiras, não havia voos para cidades importantíssimas como Natal, Belém, Recife. Fortaleza se tornou um hub falho e limitado.

Assim, para não perder a isenção de ICMS, integrantes do Governo do Estado naquela época, nos diziam que a companhia procurava compensar com maior quantidade de voos em períodos de alta estação (2019-2020).

Na época, o Diário do Nordeste já noticiava como essas compensações eram esdrúxulas. Porém, com a chegada de novas companhias regionais em parceria com a Gol, isso demonstrava novo norte e um eventual novo fôlego para o hub de Fortaleza.

Com a pandemia, todo o esforço fora inutilizado. Ademais, na retomada da economia e afrouxamento das medidas contra a Covid nascia um novo hub Gol no Nordeste, o hub de Salvador, que viria a deslocar definitivamente a primazia por Fortaleza.

Incremento em Salvador 

As operações de passageiros em Salvador em janeiro de 2023 foram menores que em janeiro de 2022, respectivamente 680.807 e 694.284 passageiros de todas as companhias aéreas.

Para fortalecer o número, pode-se apontar que a Gol estará em 2023 incrementando suas operações no seu hub do Nordeste (Salvador). Sobretudo no 2º semestre do ano, as operações deverão crescer, de forma que a companhia já será maior que foi em 2022 na capital baiana.

A estratégia de fortalecer o hub é natural para qualquer companhia, já falamos em como os hubs são estratégicos

Como resultado, a base Gol de Recife (assim como Fortaleza) também será impactada (aparentemente) com o fortalecimento de Salvador, vindo a ter mínimos relevantes de operação também previstos para 2023.

A novidade aqui é que Recife se tornará pela primeira vez, em vários anos, a segunda base Gol do Nordeste, à frente de Fortaleza.

Fortaleza é a maior perdedora

A redução da Gol em Fortaleza pode ser levantada considerando alguns prováveis motivos.

O grande motivo talvez seja o êxito e relevância da companhia em Salvador, como já mencionamos. Em fóruns especializados, há quem comente que a Gol não topou levar a grande concorrência com a Latam adiante, se afastando mais de Fortaleza. 

A Latam hoje tem com folga a maior fatia de passageiros da capital do Ceará com conectividade recorde.

Outro motivo seria a necessidade de reestruturação que a companhia apresenta, tendo há alguns dias rolado dívidas aproximadas de US$ 1,4 bilhão para manter a liquidez necessária à operação. Assim, apenas rotas realmente rentáveis permanecem. É algo comum em reestruturações e explica o fortalecimento do hub Salvador, dada a grande aglutinação de voos.

Dever de casa para o Governo do Estado

Em se confirmando a enorme e provável redução de movimentos da Gol, Fortaleza terá grande 'baque' com ainda maiores reduções de passageiros. A Gol mantinha, desde 2016, pelo menos 20 decolagens por dia na Capital e passará a ter média de 11, configurando grande redução. Passará a ter praticamente o mesmo tamanho que a Azul. Se consideramos números de Azul + Azul Conecta, a Gol passa a ser terceira colocada em market share.

É hora do novo Governo do Estado buscar alternativas com outros players para garantir a substituição de voos. É necessário primeiro tomar conhecimento do problema. Do contrário, um ano que deveria ser a consolidação da retomada pós-pandemia será um fiasco.

É preciso conversar com a Latam, com a Azul e com a Passaredo e negociar meios de não deixar o Estado voltar anos na movimentação. Janeiro já foi um grande alerta de como o retrocesso pode ser gigante. É preciso negociar com a Fraport para que a operadora busque mais voos.

Baixa de voos não é interessante para ninguém, sobretudo para o passageiro, que pagará preços ainda mais caros pelas leis de oferta e procura.

"A Fraport Brasil segue oferecendo o melhor da infraestrutura aeroportuária, com excelência em serviços e segurança, para que novas rotas e frequências possam ser concretizadas. Além disso, a Fraport Brasil trabalha com o atual Programa de Incentivo para voos regulares", disse a Fraport em nota sobre incentivos para novos voos em Fortaleza. 

Descontinuidade de rotas

A Gol descontinuará rotas centrais como Manaus, Belém (3 meses) e Recife, além de reduzir o voo para Salvador para um diário (o que é ruim para o próprio hub baiano). Assim, podemos esperar passagens caríssimas para esses grandes centros, caso outras operadoras não substituam esses voos. Engessará a malha através de seus hubs, Salvador, São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. 

Latam e Azul, em resposta à coluna, já se mostraram estar “sempre atentas” aos movimentos do mercado, a novas oportunidades e que novos voos serão oportunamente comunicados.
De fato, as companhias cresceram de forma relevante entre janeiro de 2022 e 2023.

Procurada pela coluna, a Gol não respondeu aos nossos questionamentos até a publicação da reportagem.

A Azul terá bastante espaço para crescer, primeiro porque a Gol descontinuará seu voo diário para Recife, hub consolidadíssimo da primeira, desde 2016. Por outro lado, haverá descontinuidade temporária do voo para Belém, outra cidade-foco da Azul.

A Azul precisa trazer novamente o ATR para Fortaleza e destravar destinos há anos desatendidos ou pouco atendidos como João Pessoa, Natal, São Luís. A oportunidade bate à porta e a Azul não costuma desperdiçar. 

Ademais, a companhia poderá agora reativar os voos que tinha para Guarulhos que mantinha até antes da pandemia ou até aumentar voos necessários para Campinas e seu segundo hub, Confins - Belo Horizonte.

A companhia já tem pacote interessante de subsídios no Ceará devido a chegada da regional Azul Conecta: serve grandes destinos e pequeníssimos destinos, falta o meio termo, mais capitais nordestinas.

Outro meio-termo

A Gol deixou de usufruir de isenção de ICMS no Ceará, porém, aderiu a outro benefício tributário que reduz a alíquota de ICMS para 12% (normal é 17%), através da implantação de um voo internacional por semana a partir de Fortaleza.

Desde agosto/2022, faz jus quando retornou com as operações para Buenos Aires a partir de Fortaleza. O voo iniciou com ótimas taxas de ocupação, porém será descontinuado entre abril e o final de junho, época de baixa estação.

E aí voltará a perder o desconto? Não, porque tem mantido um voo semanal excelente entre Fortaleza e Miami.

Desejo sucesso à reestruturação da Gol e que ela volte a ter belos números em Fortaleza!

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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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