Overbooking: entenda por que as companhias aéreas vendem mais passagens que o número de assentos

Legenda: No Brasil, o overbooking ou preterição de embarque é item normatizado pela resolução 400 da ANAC
Foto: Helene Santos

Você sabia que, estatisticamente, em torno de 5% dos passageiros não comparecem aos seus voos? É, alguns dos passageiros vão dormir demais, perdem o voo devido ao trânsito ou porque ficaram doentes e deixam de embarcar. Em artigo científico sobre o assunto, a taxa de no show (não comparecimento) considerada atinge até 10%.

Essa porcentagem é vista em páginas especializadas em aviação comercial e até periódicos famosos dos Estados Unidos. Ou seja, para reduzir a chance de que o voo decole com assentos vazios (aqueles que perderam o voo, no show), as companhias aéreas vendem mais que passagens o número de assentos nas aeronaves. 

Digamos que, para um avião de 180 assentos, 5% das pessoas não embarcarão: teoricamente são 9 (180x5%) assentos que certamente decolariam vazios.

Assim, teoricamente, a companhia poderia vender até 189 bilhetes (180 + 9 bilhetes), embolsando até 105% de assentos. O limite para venda de assentos pode ultrapassar até 110% da capacidade da aeronave.

Para as 9 pessoas que não embarcaram, duas hipóteses: compraram bilhetes flexíveis e só precisarão remarcar; ou passarão por um calvário de ter que pagar taxas caríssimas de remarcação adicionadas de diferenças tarifárias entre os bilhetes, caso aplicável.

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As estimativas de não comparecimento são atualizadas diariamente com base no tipo de bilhetes comprados, se flexíveis ou não, no avanço das vendas, na época do ano. Essas previsões são utilizadas para calibrar os algoritmos que decidem a taxa máxima de overbooking de cada voo: isso faz parte de sofisticados softwares de gerenciamento de faturamento. As companhias aéreas têm grandes departamentos que só cuidam disso: Revenue Management.

O problema é que em estatística não há certeza, há probabilidades e, assim, haverá a oportunidade em que o número de passageiros empatará (pelo menos) com o número de assentos do voo. Numa dessas, surge o famoso termo: overbooking ou sobrereserva: há mais pessoas que desejam voar do que assentos e por "culpa" deliberada da companhia aérea.

Proposta financeira para o passageiro não voar

Nessas horas, surgem as propostas financeiras para que alguns passageiros não voem: "Aceita 500 dólares para voar no próximo voo?", "Aceita 500 reais + hotel para voar amanhã?". Muitos aceitam a proposta, ficam satisfeitos, até mesmo porque nada os impedia de postergar a viagem. Para a companhia aérea é um grande negócio, já que negociando, torna-se menos elegível a tomar um processo judicial.

Segundo um jornal da Califórnia, em 2017, mais de 40000 pessoas, porém, foram preteridas (impedidas) de embarcar, ou seja, não conseguiram embarcar nos voos em que desejavam.

Overbooking no Brasil

No Brasil, o overbooking ou preterição de embarque é item normatizado pela resolução 400 da ANAC: “A preterição será configurada quando o transportador deixar de transportar passageiro que se apresentou para embarque no voo originalmente contratado”.

Bem verdade, que o overbooking não ocorre somente pela venda a mais de bilhetes. 

I- Pode ser que ocorra também, por exemplo, consequência de passageiros que perderam voos de conexão e serão encaixados prioritariamente (Reacomodação, Art 28, resolução 400 ANAC), justamente no seu assento; 
II - ou por falha de uma aeronave que é trocado por uma menor ou que é trocada por outra que possui menos assentos, 
Nesses três exemplos acima, faltam assentos para tantos passageiros que desejam voar.

O que esperar da companhia aérea?

Segundo a resolução 400 da ANAC: 

Do Atraso, Cancelamento, Interrupção do Serviço e Preterição
Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis:
§ 2º A informação sobre o motivo do atraso, (...) e da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador,(...).
Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos:
III - preterição de passageiro; 
Havendo a impossibilidade de acomodar a todos no voo contratado, a companhia aérea deverá buscar por voluntários para postergar a viagem.
Art. 23. Sempre que o número de passageiros para o voo exceder a disponibilidade de assentos na aeronave, o transportador deverá procurar por voluntários para serem reacomodados em outro voo mediante compensação negociada entre o passageiro voluntário e o transportador.
§ 1º A reacomodação dos passageiros voluntários em outro voo mediante a aceitação de compensação não configurará preterição.

Aqui a parte menos ruim de quem pode optar por não viajar: uma boa compensação na maioria dos casos:

Art. 24. No caso de preterição, o transportador deverá, sem prejuízo do previsto no art. 21 desta Resolução, efetuar, imediatamente, o pagamento de compensação financeira ao passageiro, podendo ser por transferência bancária, voucher ou em espécie, no valor de:
I - 250 (duzentos e cinquenta) DES, no caso de voo doméstico; e
II - 500 (quinhentos) DES, no caso de voo internacional.
DES significa Direito Especial de Saque e totaliza acima R$ 1930 para voo doméstico e R$ 3860 para voos internacionais. Com valores relevantes assim, não é de se espantar que haja voluntários para postergar voos, sobretudo porque todos os demais direitos de se ter o voo 
Adicionalmente, estão previstos para os passageiros preteridos os mesmos direitos de quem teve um voo cancelado:
Art. 26. A assistência material ao passageiro deve ser oferecida nos seguintes casos:
(...)
II - cancelamento do voo;
(...)
IV - preterição de passageiro;

Tempo Atraso Assistência
Superior a uma hora (01h) Facilidades de comunicação
Superior a duas horas (02h) Alimentação
Superior a quatro horas (04h) Hospedagem, se pernoite, e transporte de ida e volta

Posição da IATA

A IATA, Associação Internacional de Transportes Aéreos, se posiciona defendendo que o overbooking permite voos mais baratos aos consumidores, sobretudo porque entende que a estratégia é bem administrada pela indústria.
Para tal, a IATA, aponta que apenas 0,09% dos passageiros tiveram embarques indeferidos nos EUA em 2016.

“As companhias aéreas deveriam continuar com as práticas de longa-data do overbooking”.

A Associação ainda aponta como benefícios indiretos: maior disponibilidade de assentos, menor impacto ambiental em cada voo, já que o voo voa com mais passageiros.

Um olhar crítico sobre overbooking

A IATA defende que o assento da aeronave é um produto perecível que, uma vez que a aeronave decola, não pode mais ser vendido. Porém, alguém pagou por aquele assento, não se trata de uma reserva de hotel que (em algumas vezes) pode ser cancelada sem ônus para quem reserva. Assim, não existe ônus direto para a companhia aérea.

Alguém pode argumentar que existem bilhetes flexíveis, quando a companhia não recebe mais nada para remarcar o assento, na escolha do passageiro. Meu conhecimento é de que esses bilhetes FLEX são bem mais caros que o normal, algo como se o cliente pagasse por 1,5 assentos em média. Assim, a companhia aérea já se programa para as eventualidades.

Dessa forma, um bilhete comercializado, digamos, com um ágil de 50% sobre o preço normal gera um bônus financeiro para a companhia. Agora imagine que ainda assim, o passageiro seja preterido: será ônus para o passageiro, ainda que todas as melhores práticas para evitar o overbooking deliberado sejam tomadas:

Da mesma forma, a IATA menciona que a não ocorrência de overbooking pode trazer perdas de faturamento por assentos vazios, porém é sabido que os assentos com preços mais altos são comercializados faltando pouco tempo para a saída do voo.

Se aparece alguém que realmente precisa viajar, a companhia tem um bônus. Porém, da mesma forma, os preços elevados (até elevadíssimos de última hora) certamente afastam clientes. Nesse caso, a companhia aérea não parece se importar em voar com assentos vazios: parece uma contradição.

Gerenciando overbooking

As companhias aéreas têm conhecimento de como maximizar o sucesso da estratégia de vender mais bilhetes que assentos.

Por exemplo, durante datas festivas como final de ano, a propensão das pessoas para viajar é muito maior, bem como, próximos a grandes eventos como o carnaval.

Assim, há redução dos índices de overbooking em teoria, logo o impacto aos passageiros é muito menor.

Porém, em datas úteis, sobretudo passageiros corporativos que contam em média como 12% dos passageiros (EUA), precisam de flexibilidade e daí, a ocorrência de no shows aumenta, podendo bonificar as companhias aéreas, com a elevação da venda de passagens.

Já comentamos aqui como algumas práticas das companhias aéreas buscam preços especulativos, não baseados totalmente em custos reais. Entendemos que reservar mais bilhetes que assentos é mais uma estratégia dessas: tirar coelho da cartola, buscando lucro. 

Ainda assim, e não comentamos com felicidade, o conjunto dessas práticas não é capaz de provocar que as companhias tenham lucros sistemáticos, previsíveis.

A realidade do Brasil, inclusive, é oposta. As grandes companhias possuem grandes dívidas financeiras e fazem relevante esforço para manter as atividades. 

A coluna entrou em contato com as companhias brasileiras para comentarem o assunto. Em nota, a Azul informou que "segue as determinações e resoluções da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), bem como cumpre integralmente com as normas e leis aplicáveis e vigentes". Latam e Gol não responderam até a publicação.

 

 



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