Falta de aeronaves, localização e incentivos ruins: por que o aeroporto de Fortaleza não cresce?

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Legenda: É provável que 2024 finalize com movimentação de passageiros (sobretudo domésticos) estagnado em relação a 2023
Foto: Kid Junior

De janeiro a setembro de 2024, o Aeroporto de Fortaleza ainda está 1,11% abaixo do acumulado de mesmo período de 2023. Ainda, janeiro a setembro de 2024 são também piores que o mesmo período de 2022, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Os números de 2024 só não são piores porque a movimentação internacional tem ajudado muito, conforme vimos cobrindo.

O resultado principal desses números ruins é que é provável que 2024 finalize com movimentação de passageiros (sobretudo domésticos) estagnado em relação a 2023. Lembremos que 2023 foi pior que 2022, então ao final de 2024, estaremos abaixo ou no nível de 2022.

Se considerarmos que em outubro, novembro e dezembro (apenas assentos disponíveis) de 2024 o Pinto Martins terá a média da taxa de ocupação do último trimestre de 2023, que foi de 84,8%, o aeroporto estará apenas 0,2% acima dos 12 meses de 2023 (2024: 5.608.886 x 2023: 5.596.723).

Lembrar que uma taxa média geral de ocupação de 85% é excelente e, nem assim, o aeroporto conseguirá crescer mais. A aviação doméstica não ajudou.
Assim, ainda que tenhamos aviões ultra lotados no último trimestre, 0,2% de crescimento frente à previsão de crescimento do PIB nacional para 2024, que é de 3,3%, é uma péssima notícia.

Maior derrota ainda é quando comparamos com a própria previsão de crescimento para o PIB do Ceará, que é de 4,4%, conforme a Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag/CE).

O que está acontecendo com o Pinto Martins que não cresce? O aeroporto de Recife cresce, o aeroporto de Salvador cresce, aeroportos do Nordeste crescem 5%, aeroportos do Brasil crescem 2,5% em passageiros (apenas assentos disponíveis). Fortaleza, com algum otimismo, estagna no ano, ainda que haja perspectiva de crescer 3% no último trimestre de 2024 sobre mesmo período de 2023.

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Por que não cresce?

Já escrevemos tanto sobre a penúria do Pinto Martins que precisaremos repetir alguns motivos pelos quais o aeroporto não cresce:

1- Falta de aeronaves no Brasil e Fortaleza “longe” do eixo nacional

Estranho elencar esse item, dado que se o Nordeste e o Brasil estão crescendo no modal aéreo, por que Fortaleza está na contramão? No mundo todo, dá-se conta de falta de aeronaves para expansão de malhas aéreas. CEOs das 3 companhias brasileiras estão na bronca com as principais fabricantes do mundo (Boeing e Airbus). Sem avião, não se expande mais.

Ok. E por que Fortaleza não cresce também, ainda que pouco? Porque Fortaleza é mais longe dos grandes centros do País, como São Paulo. Enquanto uma aeronave leva 5h para sair de São Paulo, chegar em Salvador e retornar, levará 7h para sair de São Paulo, chegar em Fortaleza e retornar.
Com essas 2h a menos, outra frequência entre São Paulo e Salvador surgirá. Sem mencionar que se gasta muito mais combustível para chegar em Fortaleza.

Até para Recife, onde a diferença de tempo de voo é de apenas 20 minutos, é mais conveniente e mais barato operar: voam mais para lá. Resultado para Fortaleza são as passagens nas alturas e mais caras que nas outras praças, conforme publicamos há 1 ano. Triste compartilhar isso, mas estamos totalmente em 2º plano no ambiente doméstico.

À coluna, a Secretaria de Turismo do Ceará (Setur/CE) respondeu que "Como é amplamente reconhecido no setor da aviação, a entrada da GOL no Chapter 11 exigiu ajustes estratégicos nas rotas e na frequência de voos, com o objetivo de otimizar a ocupação das aeronaves. Nesse contexto, os lessors, impactaram a disponibilidade de aeronaves, colocando a GOL em uma posição mais atrasada na fila de entrega de novas unidades ou motores. Esse fator resultou na redução de 10% na frota da companhia, com reflexos visíveis no primeiro semestre do ano, especialmente em Fortaleza, onde a demanda de passageiros diminuiu 6,3% em comparação com 2023. No entanto, o segundo semestre evidenciou uma recuperação substancial, impulsionando o crescimento de Fortaleza em quase 5% em relação ao ano anterior, sinalizando a trajetória positiva da companhia".

2- Incentivos feitos pelo Estado

Já contamos como o Governo do Estado fez gol contra para a Gol (perdoem o trocadilho) e permitiu que a companhia tivesse uma alíquota de 6% de ICMS para operar apenas (mínimo de) 22 voos diários na Capital, ou seja, 11 decolagens mais 11 pousos, quantidade historicamente muito baixa (Decreto 35547/2023).

A Gol tinha isenção de ICMS tendo que realizar 50 voos diários na Capital. O Governo fez um péssimo negócio e, como resultado, a Gol não passa mais de 32 voos por dia em Fortaleza.

A Latam, que deveria perseguir também o alvo de 50 voos diários, teve a chance de reduzir voos e pagar bem pouco ICMS. Hoje mantém apenas 44 ou 46 voos diários, estimulada pelo Estado.

Ainda, a Fraport, concessionária do Aeroporto de Fortaleza, passou longe de ter êxito com o incentivo doméstico criado há 1 ano.

Contamos que a concessionária esperava atrair até 1 milhão de novos passageiros em 12 meses, mas até aqui, mesmo olhando a previsão de assentos para 2025, não há o menor sinal de crescimento orgânico, que dirá de 1 milhão de passageiros a mais.

Em nenhum momento Latam e Gol, muito menos a Azul, demonstraram interesse prático, isso é baseado em número de operações futuras, para acompanhar os mínimos (baselines) propostos pela Fraport. 

À coluna, a Fraport comentou: "Em relação ao programa de incentivos para voos domésticos, lançado em novembro de 2023, a avaliação do programa é positiva. Ele comunica claramente nossa intenção de incentivar o crescimento equitativo de todas as companhias aéreas em nosso aeroporto, reforçando nossa posição como um dos principais centros de conexão da Região Nordeste".

3. Decreto do Governo Estadual

Estranho é ver que o dito Decreto 35.547/2023 ainda está em vigor. Desconheço novo Decreto editado para buscar inovar e buscar melhores condições ao Estado e olha que já se vão 1 ano e meio desde a edição daquele.

Questionada sobre uma eventual previsão de se revogar o decreto, a Setur/CE informou que "avalia de forma transversal as possibilidades relacionadas ao tema".

4. Frota pequena

A frota comercial do País é pequena. Reputo que parte do problema de o brasileiro voar pouco é porque as companhias não permitem maiores frotas no país. Para crescer, vê-se a retirada de aeronaves de um local para ser alocada em outro. Exemplo mais objetivo foi a retirada de aeronaves da Voepass do Nordeste para recompor a aeronave acidentada em agosto na região Sudeste.

Nos bastidores, escuta-se que o Estado pode buscar negociações para retirar voos de outros estados: uma enorme pena, falando de País. O cobertor é curto.

O que fazer para mudar a situação do aeroporto de Fortaleza?

Questionada sobre o que poderia ser realizado para que retirar o aeroporto dessa recessão, comentando que não haveria promessa de alento para 2025, a Setur/CE respondeu: "Projeções indicam um crescimento de 3% já em janeiro de 2025, em comparação com o mesmo período do ano atual, confirmando a forte curva de recuperação que estamos vivenciando. Adicionalmente, segundo os dados da ANAC, Fortaleza tem se destacado como o aeroporto com maior crescimento em 2023 entre 2 das principais companhias com voos para a Europa (Air France e TAP). Em particular, a Air France aumentou suas operações em Fortaleza com duas frequências adicionais, consolidando a recuperação da cidade, que registrou o maior crescimento no Brasil desde 2019 para essa companhia. Esse desempenho reforça a posição estratégica de Fortaleza como um hub de crescimento e expansão para o mercado internacional".

Na verdade, a Setur/CE argumenta que a cidade cresceu em voos internacionais, porém, a operação internacional é apenas 10% da movimentação total do aeroporto, ou seja, atacando apenas na movimentação internacional, vai demorar bastante até o aeroporto superar números pré-pandêmicos, ao contrário de vários outros aeroportos do próprio Nordeste.

Busquei ainda encontrar a “forte recuperação” mencionada comparando a quantidade de assentos oferecidos totais no 1º semestre de 2024 com a previsão de 2025 (análise com números Anac de 07/11).

Ano  jan fev mar  abr mai jun    Total Assentos Partindo 1o Semestre
2024  312726  261592  268410  259025  271632  266453 1.639.838
2025 340201  253259  271487  259773  269021  260052 1.653.793
            Crescimento  0,85%

Há a previsão de crescimento de apenas 0,85% em assentos considerando voos domésticos e internacionais. Mais estagnação para 2025. Falta diagnóstico.

Perguntei por fim se a Setur/CE tem solicitado reuniões com companhias aéreas para reconquistar voos perdidos. "A Setur tem mantido um diálogo constante com as companhias aéreas, visando à ampliação das rotas já existentes, além da abertura de novos mercados", respondeu.

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