Na cerimônia de premiação do Oscar, ocorrida ontem em Los Angeles, Will Smith, antes ainda ser premiado como melhor ator, desferiu um tapa forte no rosto de Chris Rock. A agressão se deu após Chris ter feito uma piada que envolvia a condição de mulher careca da famosa atriz e apresentadora Jada Pinkett, que é esposa de Will. Jada sofre de Alopecia e já se notabilizava por divulgar a doença. A Academia afirmou não tolerar violência, e Smith pode até perder a estatueta.
Desde então a internet se divide entre quem defende Chris, Smith ou apenas aqueles que ressaltam como mais importante repudiar a violência à mulher. Timidamente, surgem aqueles que perguntam: Chris ou até mesmo Will poderiam ser punidos conforme o Direito Brasileiro?
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Chris Rock falou, ao vivo, e na frente de Jada Pinkett, que esta fizesse a sequência de “Até o limite da honra”, filme em que Demi Moore vive uma protagonista careca. Sua fala ocasionou risos da plateia, mas um indisfarçável constrangimento de Jada.
O art. 140 do Código Penal Brasileiro prevê detenção de um a seis meses (ou multa) a quem injuriar alguém, ofendendo a dignidade ou o decoro da vítima, como teria feito Chris; ocorre que o juiz pode deixar de aplicar a pena (§1.º, I e II), quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria, ou no caso de revide imediato. Não foi o caso.
Entretanto, para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para haver punição, tem que ficar clara a intenção de injuriar, e não de brincar: “para a configuração dos crimes contra a honra, exige-se a demonstração mínima do intento positivo e deliberado de ofender a honra alheia (dolo específico)”. É o que está na Tese 1 da Edição 130 da Jurisprudência em Teses.
No enunciado destacado pelo STJ, fala-se que é necessário no crime contra a honra a intenção de imputar fato criminoso, de difamar ou de machucar (“animus caluniandi diffamandi vel injuriandi”), o que é diferente, conforme a doutrina, da intenção de brincar (“animus jocandi”), de aconselhar (“animus consulendi”), de narrar fato próprio (“animus narrandi”), de corrigir (“animus corrigendi”) ou de defender direito (“animus defendendi”).
Desta feita, o juiz brasileiro que fosse responsável por tal caso deveria fazer um exame do “elemento subjetivo” – ou seja, na intenção de Chris quando proferiu a infeliz fala.
Vale salientar que a responsabilização penal – que é o assunto da minha coluna de hoje - é diferente da civil: Rafinha Bastos, em caso célebre, não foi punido criminalmente, mas teve que pagar indenização por crime contra a honra.
Antes ainda ao evento de ontem, Chris Rock já fazia Jada e Will de alvos. No Oscar em 2016, quando também era apresentador, Chris brincara sobre os ausentes Jada e seu marido, que aderiram ao #OscarsSoWhite, movimento online que tratava da falta de diversidade na premiação.
Na ocasião, Chris falou que “Jada boicotar o Oscar é como eu boicotar a calcinha de Rihanna: eu não fui convidado”.
Depois, falou que “Jada está com raiva de seu homem Will não ter sido indicado por ‘Um Homem Entre Gigantes'”.
Não satisfeito, prosseguiu dizendo que “Não é justo que Will tenha sido tão bom e não tenha sido indicado. Também não é justo que Will tenha recebido US$ 20 milhões pelo filme de 1999 ‘Wild Wild West'”, referindo-se a este filme que é considerado fiasco.
Quando alguém bate em outro sem ser em legítima defesa o direito costuma chamar isso de “Injúria Real”. Os outros tipos de Injúria são Injúria Simples – a promovida por Chris - e Injúria Preconceituosa – quando envolve elementos de etnia ou sexualidade, por exemplo.
Ocorre que o tapa de Will Smith tanto pode ser considerado uma injúria real punível como um revide imediato, na tentativa comedida de interromper o seu sofrimento e o de sua esposa.
Para o criminalista e Doutor em Direito Bruno Queiroz, o histórico dos eventos e a ofensa presencial justificaram a medida: “a tapa na cara ofende apenas a honra, não machuca o corpo. Se Will Smith desejasse causar uma lesão corporal teria dado um soco. Nesse caso hipotético o estudo e talento dos advogados faria novamente a diferença”.
Para o Mestre Guilherme Nucci, “a devolução do ultraje acaba, internamente, compensando quem a produz. Por isso, o Estado acaba perdoando o agressor” (Código Penal Comentado, 16ª edição, São Paulo: Forense 2016).
Mas há importante contraponto: para o Professor Cezar Roberto Bitencourt, “é inadmissível retorquir uma injúria comum com uma injúria real ou, principalmente, com uma injúria preconceituosa. A desproporção e o abuso são flagrantes, e esse ‘aproveitamento’ da situação é incompatível com os fins do Direito Penal. Isso poderá representar, em outros termos, o excesso punível” (Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa. 17. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017)