Existe tempo certo para acessar a própria identidade após assumir o papel de mãe?
Entender toda a transformação que o maternar proporciona exige que história, realidade e individualidade sejam respeitadas
Compreender minha identidade e a transição que a maternidade apresenta ao longo dessa experiência é solitário e libertador. Difícil dizer o que mudou e como me sinto. Tentando reconhecer minha rota, penso nos lugares que preciso revisitar. E, mesmo assim, ainda não sei onde desejo chegar. Lembro dos tempos quando tinha mais fôlego e uma rotina cheia de prioridades pessoais.
Conversando com a psicóloga clínica e psicoterapeuta de mulheres, Ticyane Olímpio, ela me lembra que antes da maternidade já existia uma identidade moldada pela trajetória de cada mulher. A transição da mulher que se torna mãe acontece primeiro de forma cultural, dessa ideia de que a mulher cuida de todos.
A mulher-mãe reúne tudo o que ela já tinha – trabalho, família, relacionamentos, sonhos e atividades de lazer – e precisa se adaptar a uma nova realidade.
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O medo de não dar conta foi aos poucos me direcionando, única e exclusivamente, para a função de ser mãe. Na maternidade, ganhei habilidades, mudei minha forma de enxergar o mundo, conheci o amor da forma mais íntima e sublime, e perdi a noção de tempo, espaço e prioridades. Não é fácil recalcular a rota.
Então, como compreender nossa identidade?
Continuo buscando equilíbrio entre as demandas de ser mãe e de outras áreas da vida. Eu sei que os tempos mudaram. Hoje, por exemplo, a mulher precisa sair para trabalhar. Ela também sustenta a casa e continua cuidando do lar e de todos. Menos dela. Se eu for enumerar todas as funções que uma mulher exerce sendo mãe, vão faltar caracteres.
“Não existe um prazo para encontrar essa identidade. Vai depender da individualidade de cada mulher. Se ela voltou para o mercado de trabalho, se ela tem rede de apoio, se existe acolhimento nas relações. Como ela se enxerga e compreende as mudanças naturais também define esse caminho"
“Quem ficou com o seu filho ?”
Sinto que as redes sociais reforçam o comportamento de uma sociedade que a todo momento pressiona a mulher mãe com expectativas desproporcionais. Aquela tradicional cena em uma entrevista de emprego, quando questionam “quem ficou com o seu filho ?”, pode ser reproduzida em inúmeras possibilidades. Cansa né? Você até esquece de celebrar as pequenas conquistas do dia a dia.
Em vez de se cobrar por um dia de cansaço, em que você não conseguiu cumprir todas as tarefas previstas, lembre-se do dia em que você ensinou a tarefa para o seu filho e recebeu um olhar de carinho e admiração. Vai fazer diferença, tenho certeza.
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Sigo na contramão e não é teimosia. Desde a feliz surpresa de ser mãe – e de uma menina – me esforço para desconstruir o equivocado padrão de rivalidade feminina. A herança patriarcal e machista da sociedade deixa um ambiente hostil e solitário para as mulheres.
Até aqui já esbarrei com demandas pelo corpo perfeito, jornada exaustiva, comparações com a barriga da outra, julgamento pela escolha da via de parto e até críticas sobre criação. Sonho com o dia em que minha energia maternal será acolhida sem espaço para comparações.
Proponho aqui um exercício de empatia: Troque críticas por acolhimento. Tem linha que não se pode cruzar, apenas ouvir.
Existe preparação para o maternar?
Escutar outras vivências, principalmente da minha mãe – dona Elizeuda, mãe de quatro filhos - foi a forma que encontrei para me conectar com outras mães e mulheres. Sugiro que você elabore uma lista com tudo o que precisa saber. Faça o seu planejamento. Cada mulher é única, assim como a experiência de ser mãe. Agora essa frase faz muito sentido.
E sobre o receio de não voltar a ser como era antes, Ticyane Olímpio, esclarece que essa preocupação não faz sentido. "Não existe uma perda de identidade, existe um processo de perder alguns fragmentos que faziam sentido anteriormente e depois que você materna, pode acontecer uma troca por demandas atuais."
De onde você veio? Que lugar você ocupa? Para onde pretende ir?
Os questionamentos fazem parte da busca por autoconhecimento. Um dia de cada vez, não adianta acelerar ou pular de fase. Cada momento tem um significado e te prepara para os próximos desafios. Eu aprendi na prática que a rede de apoio é a base de nossa estrutura materna.
Meu repertório é repleto de sonhos e inspirações. Neta de dona Luci, filha de dona Elizeuda e agora mãe da Beatrice. Tenho orgulho da minha base e acredito que minha história, realidade e individualidade precisam ser respeitadas para entender toda a transformação que o maternar proporciona.
Para Ticyane, esse acolhimento é fundamental a fim de dar suporte a essa mãe por vezes fragilizada pela nova rotina. Ela destaca ainda os efeitos da autoestima no puerpério – que eu apelidei carinhosamente como labirinto de emoções e cobranças.
A profissional sugere que a mulher encontre algo para criar conexões positivas, uma forma de lembrar que ali existe uma mulher completa, que agora está aprendendo um novo ofício.
Na dúvida, peça ajuda, diga como se sente e lembre-se: você não precisa dar conta de tudo. Permita-se ser vulnerável e acolha todas as suas frustrações, elas vão servir de aprendizado amanhã. Seja gentil com o seu momento e tire um tempo para você se amar. Ser feliz não quer dizer que você vai ter o melhor de tudo, é sobre ter a habilidade de tornar tudo mais positivo.
Sigo esse pensamento desde o momento que descobri que seria mãe. Continua fazendo muito sentido na minha vida.