Para subir receita, Haddad mira setores isentos e com incentivos fiscais
No melhor estilo Paulo Guedes, o ministro da Fazenda promete incluir na arrecadação os que hoje não pagam impostos. E também setores incentivados da economia. Guerra dos lobbies já começou
Foram reveladas, finalmente, as linhas centrais da nova matriz fiscal do governo. Já se sabe que as despesas não poderão superar 70% da receita. Assim, a partir da data da promulgação da Lei, as contas públicas passarão a ser reajustadas sob os novos parâmetros.
A proposta será encaminhada ao Congresso Nacional, que a aprovará até o fim do próximo mês de maio ou início de junho, segundo a previsão dos líderes políticos, inclusive os da oposição, para os quais o novo arcabouço veio em linha com as expectativas.
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao resumir o que é e o que pretende o novo modelo fiscal, transmitiu algumas informações que aguçaram a curiosidade dos contribuintes.
Por exemplo: ele assegurou que não haverá aumento da carga tributária, mas deixou claro que, provavelmente ainda neste semestre, ou seja, logo após a aprovação da matriz fiscal, o Ministério da Fazenda encaminhará ao Parlamento propostas com o objetivo de fazer que passe a pagar imposto quem hoje não o faz.
Parece que não haverá aumento da carga, mas haverá carga do fisco para o que o ministro chamou de “recomposição” da receita. Ora, se não serão criados impostos e se não haverá aumento de alíquotas, como se fará essa “recomposição”, tendo em vista que, neste ano, será franciscano o crescimento da economia brasileira? – eis a pergunta.
Haddad não deixou dúvida sobre o que pretende, e apontou sua metralhadora para setores da economia brasileira que têm sido, ao longo dos anos – digamos nos últimos 50 anos – beneficiados por incentivos tributários. E mirou, também, as áreas mais novas da economia, como, por exemplo, as casas de apostas esportivas, que crescem, e as lojas virtuais que importam e vendem, no Brasil todo, produtos chineses, principalmente eletrônicos, as quais não pagam impostos, hoje.
Desconfia-se que, a exemplo do seu antecessor Paulo Guedes, o ministro da Fazenda esteja mirando, por exemplo, a Zona Franca de Manaus, cujas empresas industriais, muitas estrangeiras, desfrutam de um extenso cardápio de benefícios fiscais. É algo difícil de tornar efetivo, pois todas as tentativas anteriores nesse sentido frustraram-se pela força política que tem a bancada dos estados da região amazônica no Congresso Nacional.
Haddad mexeria em um vespeiro, e certamente teria a oposição do próprio presidente Lula e do PT. Traduzindo: a Zona Franca de Manaus permanecerá com suas benesses que já duram quase meio século.
Deve ser lembrado que o Brasil abre mão, anualmente, por isenções ou reduções tributárias, de uma montanha de dinheiro do tamanho de R$ 350 bilhões.
Às 12h35 de ontem, na entrevista coletiva, Haddad disse aos jornalistas: “Nós vamos, ao longo do ano, já começando na semana seguinte à apresentação do arcabouço, encaminhar ao Parlamento as medidas saneadoras que vão dar consistência para o resultado previsto neste anúncio”.
Às 13h15, a Bolsa de Valores B3 registrava alta de 1,45%, batendo nos 103.264 pontos, numa prova de que o mercado gostou de tudo o que foi dito.
O ponto crucial de toda a questão fiscal é uma só: o governo do PT, cuja cúpula sempre defendeu a ampliação dos gastos como forma de reativar a economia, está mesmo disposto a limitar suas despesas a 70% da receita?
Por enquanto, o mercado aposta nessa possibilidade, mesmo porque os líderes dos partidos de oposição, eles mesmo, manifestaram-se a favor do arcabouço que lhes foi apresentado pelo ministro da Fazenda.
Haddad usou sua metralhadora verbal para, de novo à moda Paulo Guedes, disparar uma nova saraivada. Ele afirmou, como se fosse um liberal:
“Vamos ter que enfrentar a agenda contra o patrimonialismo e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro, contra a base fiscal do Estado brasileiro ao longo dos anos”.
Traduzindo: pelo que disse Haddad, a possibilidade de revisão dos incentivos fiscais para alguns setores da atividade econômica parece mesmo real, e, com todo o respeito a quem pensa diferente, está na hora de acontecer.
Mas há uma pedra no meio do caminho dessa ideia, que são os grupos de pressão que atuam fortemente nas duas casas do Parlamento – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Esses grupos –mobilizando-se em conjunto – sempre ganharam a queda de braço com quem tentou mudar o que há meio século está posto.
Essa pressão começou ontem mesmo. A Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) distribuíram nota, afirmando o seguinte:
“As entidades do livro e de conteúdos educacionais cumprimentam o Governo Federal pela decisão de, na proposta de nova regra fiscal, excluir do teto de gastos o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). O fundo é uma fonte de financiamento que contempla toda a Educação Básica, da creche ao Ensino Médio e o Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
“As entidades destacam ainda ser imprescindível, também como iniciativa da maior importância, que a proposta de reforma tributária a ser encaminhada pelo Governo ao Congresso mantenha a isenção de impostos e contribuições para o livro, ferramenta básica de educação, conhecimento, cidadania e de mobilidade social.”
Como se observa, será grande a corrida pela manutenção das isenções, o que aponta para a dificuldade que terá o governo de manter incólume o texto de sua proposta de novo modelo fiscal.
Há um detalhe a favor dos grupos de pressão, que podem também ser chamados de lobistas: o governo do presidente Lula não tem, no Congresso, maioria que garanta a aprovação de uma proposta que, por exemplo, tente não extinguir, mas reduzir o bolo dos incentivos fiscais concedidos às regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste.
Esta, contudo, é a parte menor desse latifúndio de renúncia fiscal: há setores industriais do Sul e Sudeste muito mais beneficiados.
Enquanto tudo isso se desenrola, o Banco Central – guardião da moeda e dono da política monetária – esperará a aprovação da proposta do novo marco fiscal para, em seguida, examinar a possibilidade de redução da taxa de juros Selic, que segue inalterada em 13,75% deste agosto do ano passado.
Não há dúvida no mercado, nem no Banco Central, de que a proposta do arcabouço fiscal entrará no Congresso Nacional de um jeito e sairá de outro jeito bem diferente, o que será produto da ação dos lobbies.
E a Bolsa de Valores brasileira B3 fechou ontem em forte alta de 1,89%, aos 103.713 pontos, e a causa foi uma só: a boa repercussão que teve o anúncio do novo arcabouço fiscal.
O dólar caiu 0,73%, fechando o dia cotado a R$ 5,09. Uma queda expressiva.