Cearense prefere pagar conta do celular do que a da rede de esgoto
Em Fortaleza e nas cidades do Litoral e do interior do estado, onde já chegou a rede de saneamento, boa parte da população não a utiliza
Por que a maioria dos cearenses, residentes em Fortaleza ou em Juazeiro do Norte, por exemplo, recusa-se a ligar sua residência à rede de esgoto da Cagece, cuja slogan é “uma fábrica de saúde”?
É inacreditável que donos e ocupantes de milhares de imóveis, nesta capital e nas cidades do Litoral e do interior do estado, dispondo de rede de saneamento à porta, ainda optem, nos dias de hoje, pela fossa séptica como destino de seus dejetos ou pelo lançamento deles diretamente na rua.
Será que o motivo é o custo cobrado pela empresa prestadora do serviço? Não deve ser, porque esse custo é igual ou menor do que o da conta mensal do seu telefone celular, como diz Fernando Franco, que já foi conselheiro da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce) e hoje é advogado atuante e agropecuarista na geografia do município de Redenção.
Esta coluna ouviu ontem, com atenção, a exposição sobre o que faz a Arce apresentada a um grupo de empresários da indústria e da agropecuária pelo seu presidente Rafael de Paula e pelo seu mais novo conselheiro, o ex-presidente da Semace, Carlos Alberto Mendes Júnior. Eles abordaram a atuação da agência em suas áreas específicas de fiscalização -- os serviços de saneamento básico (água e esgoto) e energia elétrica (distribuição e geração), além do transporte rodoviário intermunicipal de passageiros. Tudo ia bem até o momento em que eles passaram a tratar de energia elétrica e de saneamento.
Um dos presentes, agroindustrial com investimentos no cultivo da soja e do algodão em Limoeiro do Norte, chamou a atenção de Rafael de Paula e Carlos Alberto Mendes para um fato relevante:
“Eu estou impedido de dobrar e até triplicar minha produção porque não tenho energia com tensão suficiente para fazer funcionar meus pivôs centrais de irrigação. Essa intermitência, que é constante, tem causado prejuízos crescentes à nossa operação”, disse o empresário.
Outro pediu a palavra para dizer que, na região onde se localiza sua fazenda de produção, acontece a mesma coisa. E uma terceira voz foi ouvida, reclamando do mesmo problema. A dupla de conselheiros da Arce ouviu, anotou e prometeu providências junto à empresa de distribuição -- a Enel Ceará. Em seguida, passou a tratar da universalização do saneamento básico, que está sendo feita pela Cagece por meio da empresa vencedora da licitação.
Os empresários presentes ficaram sabendo que hoje o percentual de cidades cearenses saneadas é menor do que há 10 anos. E foram informados de que, em 2033, ou seja, daqui a oito anos, 90% de todos os imóveis das 184 cidades cearenses deverão estar ligadas à rede de água e esgoto. E que, como boa consequência do investimento que faz a Cagece, o gasto público com a saúde será muito reduzido.
Um dos presentes à palestra lembrou que o custo de manter o imóvel residencial ou comercial ligado à rede de saneamento é caro, razão pela qual a maioria dos cearenses dá preferência à fossa séptica. A mesma voz ainda acrescentou uma surpreendente novidade: sua empresa construtora ergueu um edifício de apartamentos nos bairro Montese e Serrinha, em Fortaleza, e como a Cagece “demorou a dar resposta ao nosso pedido de ligação do imóvel à rede, tivemos de construir uma fossa séptica”.
Outra voz se fez ouvir, repetindo a mesma queixa sobre o custo da taxa de ligação e da conta mensal pelo uso da rede de esgoto. Mas foi logo repelida por outra, a de Fernando Franco, que disse, sem citar a fonte da pesquisa, que “o cearense prefere pagar a conta mensal do celular do que a do saneamento, contribuindo para a manutenção dos altos índices de doenças causadas pela falta da rede pública de água e esgoto ou pelo seu desuso”.
Conclui-se que o poder público está interessado em sanear as cidades, oferecendo melhor qualidade de vida às suas populações, mas parece haver, por parte destas, a lamentável cultura de priorizar o que não é tão prioritário.
Entre pagar pelo uso da rede de água e esgoto que passa em frente à sua casa, expulsando insetos causadores de doenças, e pagar pelo uso do celular, o cearense mal informado ou deseducado, prefere o minúsculo telefone móvel com seus “games” e suas casas de apostas.
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