Brasil x EUA: Lula assume o discurso "Brasil acima de tudo"
Tarifaço de Trump ameaça a economia brasileira e norte-americana. A corda da política já se rompeu
Empresários cearenses da indústria e da agropecuária ouviram há uma semana a exposição que lhes fez um experimentado, viajado e muito bem-informado consultor, com livre trânsito em Brasília, que lhes falou sobre os últimos acontecimentos, os quais, pelo visto, estão apartando o Brasil dos Estados Unidos e vice-versa.
Na opinião do expositor, o governo norte-americano – hoje liderado por um homem de temperamento mercurial e ideologicamente de direita – descobriu-se, grave e geograficamente, avizinhado e ameaçado pelo avanço da ideologia socialista que, oficial e definitivamente, sentou praça em Cuba, na Nicarágua e na Venezuela e agora avança pela Colômbia, Chile, Bolívia e Uruguai.
“Antes que essa tendência vire moda, o presidente Donald Trump está adotando medidas profiláticas e preventivas”, disse o consultor, sem imaginar que, alguns dias depois, a questão escalaria para o lado brasileiro.
Na sua fala, ele acrescentou que “os Estados Unidos não permitirão que, sob as suas barbas, o Brasil, sua grande economia, sua geografia continental, suas riquezas minerais, sua indústria, seu agro, seus empresários e sua gente trabalhadora se tornem uma trincheira socialista sob influência da China”.
Desde a última sexta-feira, 17, um conjunto de atos e fatos – adotados ao sabor da emoção pelos dois lados – está, na velocidade do raio, mudando a sempre estreita e pacífica relação de 200 anos dos brasileiros com os norte-americanos.
O mesmo consultor, ouvido ontem por esta coluna, opinou no sentido de que, se implementada for, no dia primeiro de agosto, a tarifa de 50% imposta pelo presidente Trump a todos os produtos do Brasil exportados para os Estados Unidos, “as duas partes terão prejuízos inestimáveis, sendo que a indústria e o agro brasileiros perderão muito, e entre essas perdas estarão milhares de empregos nas cidades e no campo”.
Havia uma semana, tratava-se, como se observa, de uma questão econômica criada pela estapafúrdia política tarifária de Trump em relação ao Brasil, para cuja solução bastaria a inteligente e competente diplomacia dos dois países. Transformada, porém, em crise política, a mesma questão ainda não tem, pelo menos do ponto de vista de hoje, uma saída consensuada no horizonte.
Sejamos didáticos: no centro do problema está o ex-presidente Jair Bolsonaro, que, em novembro de 2022, alegando irregularidade nas urnas eletrônicas, não aceitou o resultado da eleição presidencial, e permitiu que, país afora, as calçadas e as praças em torno dos quarteis do Exército se tornassem pontos de concentração de protestos dos seus apoiadores, os quais, no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília, invadiram o Congresso Nacional, a sede do STF e o Palácio do Planalto, depredando-os. Bolsonaro disse que foram os petistas infiltrados que fizeram a depredação.
O STF ordenou a prisão de centenas de manifestantes, já condenou alguns deles à prisão e agora prepara-se para julgar o núcleo central do que chama de trama golpista. Bolsonaro – dizem a PF, a PGR e o STF pela voz do ministro relator do processo, Alexandre de Moraes – foi o líder da tentativa de golpe. Contra tudo isto, levantaram-se o acusado e seu filho Eduardo que, residindo nos EUA e com influência junto ao presidente Trump, convenceu-o a retaliar não só o Judiciário de Moraes e o governo do presidente Lula, mas também a economia brasileira. A imposição da tarifa de 50% inviabilizará, sozinha, o comércio entre os dois países.
Por meio de uma carta, Trump tornou mundialmente público seu apoio a Bolsonaro, punido há três dias pela decisão de Moraes, que o mandou usar tornozeleira eletrônica, não se aproximar de embaixadas, não sair de casa nos fins de semana, não usar redes sociais nem se comunicar com o filho Eduardo. Trump retaliou imediatamente, cassando o visto de Moraes e de outros ministros do STF, agora impedidos de viajar aos EUA. Há no ar sinais de que outras sanções virão.
O presidente Lula tratou de assumir o discurso de defensor da soberania nacional, com o qual está reconquistando índices de popularidade que perdera ao longo dos últimos 12 meses, e já se apropriou, também, dos símbolos verde-amarelos que estavam nas mãos de Bolsonaro e de seus apoiadores. É Lula que agora diz: “O Brasil acima de tudo!”
Esta semana promete mais novidades e emoções. Trump pode agravar as sanções ao Brasil na tentativa de pressionar o STF a rever as decisões contra Bolsonaro, mas esta é uma hipótese muito difícil, quase impossível: seria um ultraje à soberania nacional brasileira e mais um motivo a reforçar o discurso de Lula em defesa do interesse do Brasil e de sua população.
(Em tempo: o presidente Lula está no Chile, onde hoje se reúne com presidentes de países latino-americanos ideologicamente alinhados com ele, dos quais buscará apoio para a sua posição.)
Imaginemos que Trump mantenha mesmo a decisão de impor, a partir de primeiro de agosto, a tarifa de 50%. Haverá o caos em diferentes setores da indústria, da agropecuária e do serviço brasileiros. E Bolsonaro e Trump serão, natural e obviamente, responsabilizados por essa tragédia anunciada, da qual seguirão tirando proveito Lula, o PT e Alexandre de Moraes. Resultado: o projeto lulista de reeleição será catapultado.
Como ainda faltam alguns dias para a data final, mantém-se a pergunta: o que acontecerá agora? O tempo dirá.
Deve ser lembrado que o presidente Trump enfrenta graves problemas internos, um deles de ordem pessoal e moral do qual o Wall Street Journal (WSJ) vem tratando nos últimos dias, lincando Trump ao empresário pederasta Jeffrey Epstein, preso acusado de prostituição infantil. Trump processa o WSJ, exigindo US$ 10 bilhões em indenização por danos financeiros e de reputação. Nos arquivos do WSJ sobre o assunto há diálogos desabonadores de Trump com Epstein, que morreu na prisão em 2019.
Em todo este imbróglio, o que surpreende e assusta é o fato de que, até agora, o Palácio do Planalto parece não dispor de um plano para encarar a ameaça dos EUA de duramente sancionar um aliado de dois séculos. O empresariado brasileiro, diante desse cenário de crescente preocupação, tenta um esforço no sentido de barrar essa ameaça, mobilizando quem e o que pode ser mobilizado aqui e no exterior.
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