As virtudes do Banco Central autônomo

O longo período de Campos Neto à frente da Autoridade Monetária brasileira revestiu-se de características bem peculiares e foi caracterizado por momentos econômicos distintos

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 11:31)
Legenda: O Banco Central é a Autoridade Monetária que tem como objetivo defender a moeda nacional e manter sob controle a inflação
Foto: Shutterstock

De autoria do economista maranhense José Cursino Raposo Moreira, o texto a seguir é atual e oportuno, razão pela qual esta coluna o publica como contribuição ao debate a respeito da política monetária em execução pelo Banco Central.

“Em fevereiro de 2021, o Brasil conquistou um dos mais importantes marcos institucionais de sua vida econômica, representado pela promulgação da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro desse ano, pela qual o Banco Central se tornou autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério e pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira. Segundo essa legislação, os diretores da autarquia têm mandato de 4 anos. Com tal marco legal, o país igualou-se à maioria das nações mais desenvolvidas e estáveis do mundo, nas quais prevalece a autonomia da Autoridade Monetária.

“A escolha do primeiro presidente do Banco Central após a conquista de sua autonomia recaiu sobre o economista Roberto Campos de Oliviera Neto, profissional detentor de larga experiência nacional e internacional no meio financeiro, em bancos nacionais e estrangeiros, e de sólida formação acadêmica obtida em grandes universidades americanas. Campos Neto, contudo, antes de tornar-se o primeiro presidente do BC autônomo do Brasil, já ocupava o cargo desde 2019, escolhido pelo Presidente Jair Bolsonaro. Em razão de tal circunstância, ele ocupou a função por 6 anos, tempo inferior apenas ao de Henrique Meirelles durante os dois mandatos do presidente Lula, de 2003 a 2010.  

“O longo período de Campos Neto à frente da Autoridade Monetária brasileira revestiu-se de características bem peculiares e foi caracterizado por momentos econômicos bem distintos. Isto forma o rico legado deixado por ele, quer do ponto de vista da Política Econômica em geral, quer da Política Monetária em particular, e ainda da consolidação institucional a que se assistiu acontecer enquanto esteve à frente do órgão.

“Campos Neto recebeu a “herança benigna” da Política Monetária do Governo Temer, encontrando-se a taxa Selic naquele momento no patamar de 6.50% ao ano, com viés de baixa. Aproveitando-se de tal ambiente favorável, somente 6 meses após sua posse, promoveu a primeira baixa de juros de sua gestão, trazendo-a para 6,0% ao ano. 

“Esse processo de cortes na Selic continuou competentemente administrado pela Autoridade Monetária, de forma que em agosto de 2020, apenas 18 meses após a sua posse, ela se encontrava no mais baixo patamar da história econômica do Brasil, inéditos 2,0 % a.a. Este valor de taxa de juros vigorou ainda até o mês de março de 2021. Ou seja: a economia brasileira passou ao longo de um ano e meio por um processo em que se criaram amplas condições para ocorrerem investimentos públicos e privados no país, graças à mudança de cenários quanto ao seu custo financeiro. Tudo isso, finalmente, graças aos méritos de uma política monetária aplicada com competência e autonomia. 

“O significado destes primeiros 18 meses de trabalho da administração autônoma do BC torna-se mais relevante ao se perceber que ele é o ápice de um ciclo de reduções da taxa básica de juros brasileira que se iniciara em julho de 2017, quando a Selic finalmente baixou para níveis inferiores a 10% ao ano, após ter vigorado durante 43 meses na casa de dois dígitos.

“Desse momento em diante, contudo, as taxas de juros evoluíram do patamar dos 2 % ao ano a que chegara em agosto de 2020 para 13,75% ao ano em agosto de 2022. Este intervalo de tempo contém o momento das eleições de 2022, quando o governo que buscava a reeleição praticou uma política fiscal de elevados gastos, tais como o aumento súbito dos valores dos benefícios pagos pelos programas de transferência de renda às classes de menor poder aquisitivo, o congelamento de preços dos combustíveis e uma série de renúncias de impostos para atender a interesses de grupos de pressão. 

“Mesmo com a posse do novo governo eleito em 2022 não houve reversão significativa da política fiscal expansionista praticada no período anterior, de forma que o ciclo de cortes de juros ocorrido entre agosto de 2022 e maio de 2024, de 13,75 % ao ano para 10,50% ao ano, foi novamente revertido e o último ano da presidência de Roberto Campos Neto no BC encerrou-se com uma acelerada elevação dos juros entre setembro e dezembro de 2024, de 10,50% ao ano para 12,25% ao ano. Além disso, na última reunião do Copom do ano de 2024, ficaram indicados mais dois aumentos de 1 ponto percentual na Selic, o primeiro dos quais já ocorreu em janeiro deste ano, devendo o próximo dar-se em março. Deste modo, ao fim do primeiro trimestre de 2025, ela já estará em 14,25% ao ano, a mesma taxa que foi estabelecida em julho de 2015, há quase 10 anos.

“Todo este processo, que acabou garantindo até hoje a manutenção dos preços da economia brasileira em níveis mais ou menos baixos, depois do fim da hiperinflação pela qual o país passou nos anos 70 e 80, não teria sido possível se não houvesse um Banco Central autônomo e um presidente na sua direção com espirito público, personalidade política e competência técnica. “

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