José Airton dos Santos nasceu em Fortaleza. É filho do Henrique Jorge – bairro difícil de elencar atributo. O próprio Airton merecia ser souvenir do lugar. Tem história bonita, daquelas que as pessoas esticam os olhos. Ela começa como começam as jornadas grandes: no interior de uma casa, no costume dos antigos. Na tradição impossível de romper.
Muito novinho, foi com a família para Pacajus, bem próximo à Capital. Comunidade Lagoa Seca, o novo endereço. Na modesta casa, observava a mãe: reunia gente pra tomar café e dividir anedota. Zelosa anfitriã. Mas havia prazer muito maior, e era quando puxava os terços. Ali Airton sentia a coisa mudar. Acessava o sagrado.
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Não foram poucas as vezes em que viu devotos chegarem a pé, de bicicleta ou a cavalo. O povoado se movimentava e o terreiro era largo, cabia todo mundo. Missionários, fervorosos. A cada conta do terço, a prece dirigida a um nome específico: São José. “Providenciai”, em uníssono. “Valei-me, São José”, em canção. O menino apurava as oiças: coisa muito linda.
A paixão pela prática cresceu e frutificou quando voltou a Fortaleza. Iniciou a catequese, os encontrinhos de fim de semana para entender a jornada bíblica. Talvez outros assuntos nem tivessem tanta importância, mas, em matéria de São José, Airton era ouvinte cativo, participante interessado. Estava começando a entender o santo. E a amá-lo.
A figura do esposo de Maria e pai adotivo de Jesus contagiava pelo exemplo. Era fascinante saber que alguém foi tão justo, tão compreensivo, tão manso. Airton ficou mastigando aquilo na alma: poderia se tornar parecido com São José. Ter uma vida boa – não carecia ser linear, só boa. Respeitar quem com ele vive, saber-se bom.
Mas antes era preciso coerência. Deixar algumas coisas de lado para que outras pudessem crescer. A maior das pedras era a bebida. Airton era bom de álcool. Trocava missa por birita. Dava um engasgo no peito fazer isso, ele recorda. Porém visualizava os amigos, a algazarra toda da folia, e via que tudo era ótimo demais. Desistir por quê? Toda semana tinha missa…
Então São José precisou interceder com força. Nosso herói até conheceu uma espécie de irmandade – missão de parar de beber por 24 horas. Mas nada como alguém do céu. A graça de ter parado de ingerir bebida alcoólica foi oportunizada pela divindade. Muito de fé e esforço. Donde já se viu servir na Igreja e ter comportamento assim? Airton precisou decidir.
Mas não se encerraria ali a paixão por José. Era só uma ponta. O chamego sagrado passou para a esposa e os filhos. Mais: virou amor itinerante. Faz um tempo, durante uma celebração, o padre comunicou sobre a procissão em homenagem a São José que iria acontecer, e Airton ruminou ideia: e se fizesse o mesmo na comunidade onde morava?
Seria, inclusive, resposta a um sonho. Em determinado fevereiro, ele passou a ter uma visão continuamente de alguém que questionava: “E aí, não vai organizar a procissão, não?”. “Tomava aquele susto, e comentava com minha esposa, ‘eu não sei o que é, tem um cara falando isso em português bem claro’. Então, vi que não tinha jeito. Precisava fazer”.
Já faz muito tempo que Airton acorda cedinho no dia de São José, quando o galo ainda está apurando o gogó. Tem que se preparar para a missa – não na própria comunidade, na paróquia São Francisco Xavier, Conjunto Esperança. Sai da capela São Francisco de Assis e vai até a Vila Pery, numa igrejinha que fica ao lado do terminal do Siqueira.
Não vai sozinho. Uma multidão o acompanha, rezando e cantando louvores ao santo. Duas horas de caminhada depois – suor na testa e pés cansados –, o descanso na alma. O fervor da presença. “A missão não é fácil, mas São José providencia. Tudo que a gente consegue é por meio de doações – água, transporte para voltar e o que mais precisar. E eu sinto que as pessoas ficam cada vez mais próximas do santo. É bom de ver”.
Um rapaz que aceitou dirigir o carro no qual vai o andor conseguiu o almejado emprego uma semana antes da procissão; uma mulher com problemas no trabalho suplicou para que as complicações terminassem, e também atingiu o objetivo. Gente sorrindo, feliz de novo. E aos pés de quem tanto pediu por eles.
“Aqui em casa, eu tenho um altar para São José, blusas em homenagem a ele, preparamos novenas. Tento ser tão justo quanto o santo, é uma característica muito boa dele. Se eu erro? Claro, sou ser humano. Mas sempre procuro me redimir dos meus erros, me inspirando em São José. Na minha pequenez, descobrir todo dia como é gostoso ser devoto dele”.
Lagoa Seca foi apenas onde tudo começou – até contraditório esse nome, paradoxal. Airton quer é irrigar tudo, ser rio e ponte para bênçãos. E, assim, cantar alto, bailando na chuva sobre o Ceará: “São José/ A vós nosso amor/ Sede nosso bom protetor/ Aumentai o nosso fervor”.
Esta é a história de amor de José Airton dos Santos e São José. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor