Um amor de carnaval me fez apostar no acaso, mudar de Fortaleza pra Itália e casar

Benfica, Recife, Alceu Valença, dois idiomas, aliança e Milão

Foto: Arquivo pessoal

Aquela menina cabelo Vanessa da Mata passou a madrugada ali. Saracoteia com o copo na mão. O boyzinho sobrancelha de aranha tem piercing colado à orelha, e essa orelha está na boca de alguém. Mordida. Lambida. Um tantinho de gente joga confete pro alto. Outro montinho aperta corneta. Frevo Mulher na voz de Alceu. Recife, Pernambuco, 2015. 

É fevereiro, amor. Carnaval.

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Perto de um dos palcos desse desbunde coletivo, Lara dança ao lado do garoto que ela própria convenceu a acompanhá-la. Estão hospedados na mesma casa, e ele cumpre exatamente este papel: o de colega, acompanhante – pegaram um Uber após perder o ônibus fretado que leva foliões para a festa. Lara quer achar Alessandro, com quem tinha marcado de se divertir naquele último dia de folia. Mas é quase impossível encontrá-lo, claro. Naquela multidão…

De repente, o susto: ele aparece. Sério, ele aparece – e não é delírio. “Como é que tu me encontrou? Por que tu não veio no ônibus?”, ele fala em português desajeitado. “Quando cheguei na parada, ele já tinha saído”, ela retruca. “Pois foi uma menina do nosso grupo que avisou ao motorista que ninguém mais ia”. Os dois balançam a cabeça, espantados com o acaso. Ele, então, dispara: “Agora eu vou ficar com você”.

Não foi sempre assim. No começo, Lara nem olhava para o italiano boa-praça e viajante. Tinha um tempo que ele contornava o mundo fazendo serviço voluntário. Borocoxô com o trabalho na terra natal, resolveu investir em si próprio por meio de experiências. Chegou ao Brasil após passar pela Argentina e descobrir ter parentes em São Paulo. A ligação telefônica de um amigo de Fortaleza – conhecido da época de voluntariado – mudaria tudo.

Legenda: Primeira foto tirada pelo casal, quando ainda eram amigos, no carnaval de Pernambuco
Foto: Arquivo pessoal

“Vem pra cá, que a gente vai curtir o carnaval de Olinda”. Alessandro foi. Queria viver. E, quando chegou, descobriu que iria sozinho. O amigo desistiu de última hora. Mas tinha importância não. A mochila estava pronta, aguardando. “Qual o próximo passo?”.

Primeiro, escolher um dos três ônibus fretados para a excursão – que incluía passagem, transporte e hospedagem. Saíam do Benfica, outro epicentro da folia. Decisão fácil. Não precisou pensar muito. Ali perto, Lara escolheria outro ônibus, e os dois, sem saber, viajariam para o mesmo destino começando outra travessia. Mais interna, talvez. Transformadora.

Agora estamos naquele embalo do início do texto. A menina cabelo Vanessa da Mata continua saracoteando, e o piercing do boyzinho sobrancelha de aranha prossegue sendo lambido por várias bocas. Ainda tem gente espirrando confete e tocando corneta. Alceu segue cantando. Lara e Alessandro trocam beijos e abraços, voltam para casa felizes. Paixãozinha boa de Carnaval. E, quando tudo acabou, aquela intensidade toda da festa, o que ficou foi a pergunta em língua italiana: “Quando voltar pra Fortaleza, a gente podia se ver?”.

Não só poderiam como se viram. Ambos morando no Benfica – ela desde sempre, ele ainda na casa do amigo do telefonema – ficou bem mais fácil o contato. Trocaram números e passaram a se falar todos os dias. Uns emojis engraçados. Confissões e besteirinhas. Lara não acreditava que nada daquilo ia muito pra frente. O cara era italiano, pô, a qualquer momento iria voltar para o país. E, outra: de início, ainda em Pernambuco, ela não queria papo com ele.

Foto: Arquivo pessoal

Mas Alessandro era muito diferente de tudo o que Lara pensou. O estereótipo do estrangeiro esfomeado por segundas intenções – o que justifica a nula vontade de aproximação na casa de Recife – dissolveu logo. O loiro era simples, companheiro, carinhoso, engraçado. Tinha planos bonitos, algo para contar, liberdade. De alguém quase blasé perante o estrangeiro, a cearense verteu-se em admiradora e desejosa de querer estar perto.

Alessandro nem se fala. Viu em Lara acolhimento genuíno. Ele sobrevivia apenas do seguro-desemprego após a demissão na Itália e, quando ela soube disso, fez questão de tentar amenizar as coisas. Dividir a conta do jantar, facilitar a casa do pai para ele morar, pagar o motel na surdina. “Depois, quando a gente virou um casal mesmo, ele me contou que ganhava quatro vezes mais do que eu com o seguro-desemprego. Ah se eu soubesse…”, ri.

Fato é que, depois de estender ao máximo o prazo de permanência no Brasil como estrangeiro – vivendo inclusive na clandestinidade por um tempo – Alessandro precisou voltar para terras italianas, prometendo retornar dentro de três meses. Ia conseguir dinheiro vendendo o próprio carro e moto. Lara pensou: “Esse relacionamento vai acabar agora”. Nada. 

Ele realmente voltou, abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Mas precisou voltar de novo porque as coisas complicaram. Sem conseguir emprego fixo aqui devido à nacionalidade, além de não ser possível sobreviver com a venda dos veículos por muito tempo, a decisão realmente foi retornar para ficar. Dessa vez, a pergunta foi: “Quer tentar ir agora?”. 

“Fiquei louca porque estava muito apaixonada”, Lara confidencia. “E a vida inteira eu disse que nunca ia embora do Brasil, nunca ia deixar minha família. Mas minha mãe me deu muita força – mesmo eu sendo filha única – e eu precisava que ela me desse essa força. A decisão era ir embora com ele ou acabar a história, porque namorar à distância eu não ia jamais”.

Foto: Arquivo pessoal

Então é fevereiro, amor. Carnaval.

E Alessandro e Lara estão casados há cinco anos. Moram em Milão, região da Lombardia. Una delizia. Ele é trabalhador autônomo, atua na empresa do pai que comercializa maconha – no país, a substância é legalizada; Lara o auxilia nesse processo, e recentemente conquistou o primeiro emprego em tempo integral, numa multinacional. 

Já é muito boa em falar italiano, e está sempre se aprimorando. Advogada com habilitação pela OAB, espera ter a atuação reconhecida no país também. Alessandro é quase brasileiro.

Voltam sempre ao Ceará, à Fortaleza, ao Benfica, para rever os parentes de Lara, passear pelo bairro, reviver as loucurinhas de 2015. Dizem ter sorte de um ter encontrado o outro. Parecem gostar do acaso. “Ele diz que nunca se sentiu tão cuidado por alguém; eu nunca tive tanta liberdade num relacionamento. Somos felizes”.

E se há um versinho para tatuar é este: “Veneno meu companheiro, desata no cantador/ E desemboca no primeiro açude de meu amor”. È carnevale, tesoro!

 

Esta é a história de amor de Lara Nogueira e Alessandro Aloisi. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.