“A gente sempre volta pra essa seção de comentários”, alguém escreveu no YouTube. “Alguns voltam casados, outros com um novo coração partido. Muitos vêm aqui anos a fio e ouvem essa mesma música para lembrar de uma mesma pessoa. Com ou sem dor, felizes ou não, nós sempre voltamos”. Agradeço ao autor da partilha. Está certíssimo.
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Tem um tempo – feito o colega apaixonado e observador – também passei a vasculhar relatos deixados por multidões de pessoas em canções publicadas no YouTube. São narrativas ora espirituosas, ora dramáticas, leves e engraçadas.
Dor de cotovelo, homenagem a familiares, elogios à composição, críticas à composição, preces, impropérios, gritos, revoluções: tudo cabe naquele espaço infinito e, por que não, terapêutico.
Hoje quero falar sobretudo das histórias de amor escritas ali. São muitas. A primeira que realmente me detive – e me deu o estalo de quanto o YouTube pode ser um manancial romântico e amoroso – aconteceu quando coloquei “Quando te vi”, do Beto Guedes, para tocar bem alto. Barra de rolagem do mouse descendo e, de repente, estas palavras:
Achei lindo. Há uma frescura nessas linhas, o sobressalto de algo praticamente impossível, mas que deu certo. Gosto muito de como ambos viram o tempo passar e sentem igual aos primeiros minutos, ao instante do encontro. “Eu faria a mesma escolha milhares de vezes em milhares de outras vidas”: penso para quem escreveríamos a mesma frase. É exercício desafiador, mas bonito. Traz alento.
Dali em diante, não parei mais de buscar outras frases, nesse mesmo movimento de ternura. É engraçado e generoso o ato de alguém parar para registrar o que lhe rasgou o peito. Escutei de amigos que também me acompanham nesse processo – ler aqueles textinhos quase invisíveis no turbilhão de estímulos – outras histórias de outros amores.
Algumas são bastante contentes, a vida pulsando nos cantos; outras doídas, aflição de quem quer, mas não pode. Olha esta, presente nos comentários da música “Pra você dar o nome”, da banda 5 a Seco. Tente não chorar (ou deixe mesmo que chore, vai):
Para recuperar o fôlego, tem esse relato fofinho de amor. Você também já passou por isso? Coloque “Tua”, de Liniker e os Caramelows, pra tocar e, quem sabe, venha uma inspiração semelhante.
Parece coisa de astro, de magia. Possível que o amor seja isso. É também fraternidade: não faltam comentários de gente se declarando para familiares, contando detalhes dessa relação. Dois de especial gosto eu mostro abaixo. O primeiro tem dedo cearense. Alguém contou ao escutar “Borbulhas de amor”, do Fagner:
Este outro recorri ao cancioneiro estrangeiro – “Baby, I’m Yours”, de Barbara Lewis. A primeira vez que ouvi a canção foi no filme “As Pontes de Madison” (1995), de Clint Eastwood e, pasmem, praticamente no mesmo contexto do relato que você lê agora – em inglês, para preservar o original, mas com livre tradução logo abaixo.
algumas das minhas memórias favoritas da vida são eu cantando isso com minha mãe na cozinha de manhã enquanto ela faz o café da manhã, e algumas de suas memórias favoritas são ela cantando com sua mãe, minha avó, quando ela era mais nova :)
minha avó pode ter ido embora fisicamente, mas ela ainda está aqui, especialmente quando cantamos essa música e quando minha mãe arruma o cabelo direito e ela se parece com minha avó :') muito obrigado por postar; essa música tem gerações de amor na minha família e eu amo isso :)
Amor de fã? Tem também. Este, em específico, revive o legado de Marília Mendonça. O admirador colocou na escuta “Te Amo Demais” e, de fato, incorporou o sentimento. Marília – neste caso, a filha do tal fã – certamente está nos primeiros meses de vida e, um dia, entenderá como opera a chamego por alguém.
Voltemos ao apreço caloroso por familiares. O relato desta vez recupera aquele amorzinho que nem parece amor, de tanto que envolve discussão e ataque. A outra fatia disso é carinho e aconchego, e o Samuel – irmão de nossa saudosa comentarista – talvez sinta sorte em tê-la por perto (ou, em breve, nem tanto). Privilégio de vê-la ouvindo “Ben”, de Rubel.
Não deixa de ser caso de amor próprio também. Seguir o caminho, percorrer estrada, mas permanecer presente e pulsando com os seus. Gosto de voltar a esse relato muitas e muitas vezes. Parece recado em porta de geladeira, bilhete na mesinha de centro. Um dengo.
O deboche – sempre ele – encontra espaço igualmente. Quando Xand Avião canta “Se Mordendo de Raiva”, alguém lembra de causar afronta nas pessoas devido ao relacionamento iniciado. E, como o mundo não apenas gira e capota, esse mesmo alguém ainda resume em simples letras o ocorrido. Repete comigo: “A nossa vida anda pra frente sempre”.
Por fim, na seção de “I’ll Stand By You”, do The Pretenders, encontrei estas linhas para voltarmos às lágrimas.
Minha filha ficou no hospital por 9 dias depois que ela nasceu. Ela veio 34 dias antes e não sabíamos se ela viveria ou morreria. Eu toquei essa música para ela no berçário enquanto ela estava lá. Ela é uma linda menina de 11 anos agora e seu aniversário foi há 2 dias, mas ela não está se sentindo bem. Está me lembrando de como ela era quando nasceu. Eu a amo com tudo o que sou.
E em “Te Amo Disgraça”, do Baco Exu do Blues, a própria radiografia de como as coisas são, de como podem ser. Eu desejo que você perca o chão pelos acontecimentos certos, e possa, ainda assim, dar significado especial a isso.
A gente sempre volta pra essa seção de comentários, e espero que você realmente faça isso. Coloque sua canção favorita para ouvir, veja o que as pessoas escrevem sobre elas e reinvente o sentimento. Agora você sabe: é supremo.
Estas são as histórias de amor em comentários de canções no YouTube. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor