O coração que recebi de transplante me fez dar nova chance ao amor aos 52 anos

Após relacionamento de duas décadas, homem resolve não se ligar mais a ninguém, até que um novo capítulo na própria história abre espaço para o dengo

Foto: Arquivo pessoal

Diógenes Lima de Castro acumula bolos de aniversário: nasceu três vezes. A primeira, sonora e umbilical, aconteceu em 10 de dezembro de 1970. A segunda, dia em que recebeu um novo coração, no dia 24 de agosto de 2016. A terceira, 20 de maio de 2017, foi quando conheceu Marcela Maciel. Três natalícios e uma vontade de dizer ao mundo: “Obrigado por tudo isso”.

Mas iniciemos pelo meio. Naquele agosto de 2016, nosso herói recorda do fluxo: sangue pulsando outra vez, coração bombeando energia. Não era assim antes. A cardiopatia congênita – resultado de uma anormalidade na estrutura ou função do órgão, surgida nas primeiras oito semanas de gestação – paralisa e tira a paz. Foi preciso transplantar para o próprio corpo o que um dia pertenceu a outro alguém. 

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A jornada mexeu com os sentidos e convocou decisão. Não se conectaria mais emocionalmente com ninguém. Isso de amor romântico pode ser estranho e devastador. Pode não acarinhar o novo coração. Experiência própria.

Foram 22 anos ao lado daquela que lhe deu dois filhos e, eles, dois netos. Um amor bonito, mas que precisou de ruptura em certo instante. Rompimento inevitável para Diógenes começar outro casamento: consigo mesmo.

Assim, terminado todo o processo do transplante, Diógenes resolveu olhar para si e encarar a realidade. Passou a ser homem de movimentos lentos. Precisou desenvolver carinho próprio. Estender roupa virou atividade cansativa. Cuidar da jardinagem também. Cozinhar, andar, dirigir: muita coisa não era a mesma para aquele coração-menino experiente. A promessa, porém, ficava ali latejando. Nada de se entregar. Seis anos divorciado, e contando: amor bom é amor só com a gente.

Tal foi a surpresa quando, naquela festa de um amigo também transplantado, desabrochou de novo. Sem a gritaria alta do primeiro nascimento. Nem a timidez emotiva do segundo. Um natal silencioso, envolvente. 

Conheceu Marcela. 

Aos 52 anos, conheceu Marcela.

Foto: Arquivo pessoal

Ela tinha um semblante bondoso e cabelos fininhos, que dançavam na fronte. Parecia forte, mas sobretudo doce – combinação difícil de encontrar. Coração preparou-se para desfazer aquela jura de não amar mais ninguém. Quis fazer juras, mas outras: quem sabe convidar para um café? Procurar nas redes sociais até achá-la e ficar conversando por horas e horas e horas? Apresentar a casa, os parentes, a mobília?

Foi assim. Deu certo a forma bonita como o universo se organizou. Aposentado, Diógenes continuou a dedicar tempo para si, mas agora também tinha com quem contar. Marcela ali pertinho, fazendo e dizendo coisas que transformam a rotina, colocando tudo em ciranda.

Até que ele parou. 

O coração parou. 

De novo, ele parou, dessa vez rejeitado pelo corpo. 

Silêncio.

Quarenta e cinco dias em maca de hospital. As luzes no rosto, aquele cheiro de cômodo esterilizado, tanta coisa para acontecer. Diógenes havia pedido Marcela em namoro no mês de junho; em novembro, esse nó na garganta, esse torpor. E ela não suportava hospital, mas assumiu para o outro o dengar. “No leito, eu perguntava a Deus se era para ficar com ela, e ela fazia o mesmo com relação a mim”.

O Todo Poderoso não decepcionou: ouviu e deu resposta acertada, mobilizando outro pedido. “Foi num dia em que eu estava com uma aliança giratória, anti-stress, e ela coincidentemente tinha uma. Eu disse, ‘Marcela, se eu pudesse ir lá fora, pegava um capim pra fazer uma aliança bem rústica’. Ela perguntou, ‘Por que?’. Eu disse: ‘Você quer casar comigo?’”.

Foto: Arquivo pessoal

Quando liguei pros dois para saber dos detalhes desse amor – 1º de fevereiro de 2023 – fazia exatamente quatro anos do casamento civil. O médico ainda alertou Diógenes de que ele poderia partir. Marcela também ouviu de familiares, “Não fique com ele, é um transplantado, vai morrer e nunca ficará contigo”. “Não aceitamos opiniões de ninguém, até porque nem passou nada disso na mente”.

E então volto à mesma Marcela dessa fala, investigando como fazer feliz alguém cujas emoções precisam ser no ritmo de um coração que necessita dosar o sentir. Se não dá para esticar a comoção, o que fica? “As atitudes. O respeito, o companheirismo, a fidelidade. Eu sou mais explosão, ele é mais calmaria. Eu gosto de sair, ele prefere estar em casa. Um dia ele está legal, outros dias não, por conta da medicação. Mas levamos nossa vida muito bem”.

Você ouve o coração do Diógenes daí? Ele é feito desses muitos encaixes. E todo dia vive mais um pouquinho, confrontando o ligeiro do tempo. Melhor dizer que não nasceu só três vezes, não. O aniversário é sempre.

 

Esta é a história de amor de Diógenes Lima e Marcela Maciel. Eles entraram em contato e sugeriram por e-mail. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.

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