Há 18 anos o Brasil viu surgir uma das legislações mais avançadas do mundo no que tange ao combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres, a Lei Federal nº 11.340/2006, popularmente conhecida como a Lei Maria da Penha. A maioridade dessa Lei vem sendo celebrada nacionalmente (e com razão), afinal, poucas legislações de proteção a grupos vulneráveis foram tão eficazes no sentido de se tornarem popularmente disseminadas, ainda que a sua implementação cotidiana enfrente desafios colossais.
Também em agosto, 10 (dez) anos antes da LPM ser aprovada, foi realizado no Rio de Janeiro o I Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE), em 1996. Desde então, o dia 29 de agosto é considerado o Dia Nacional Visibilidade Lésbica, com o intuito de lembrar à sociedade que mulheres lésbicas e bissexuais existem, denunciando as violências sofridas por elas e reivindicando o seus direitos.
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A confluência desses marcos é oportuna à reflexão sobre como o debate acerca da violência contra a mulher tem se esquivado — muitas vezes — da perspectiva da diversidade, da sua interseccionalidade com as dimensões de orientação sexual e identidade de gênero, mesmo que a própria Lei Maria da Penha tenha previsto em seu texto a aplicabilidade dos seus termos aos casos de violência doméstica e/ou familiar contra ou entre mulheres lésbicas e bissexuais.
Há uma evidente “autorização” da violência psicológica, física e sexual contra LGBTI+ dentro de nossas casas, no nosso espaço de socialização primária e essa violência é fundamentalmente de gênero, atingindo, sobretudo, identidades situadas no campo do feminino.
Dados do Centro de Referência LGBT Janaína Dutra (2023) referentes aos casos atendidos por aquele equipamento em 2022 mostram, por exemplo, que 34% dos/as autores/as das violências contra LGBTI+ tinham convívio íntimo com a vítima (pais, irmãos, cunhados etc.). Pelo 5º (quinto) ano consecutivo, o ambiente doméstico-familiar foi o principal espaço de violação de direitos dessa população, segundo a instituição que atua em Fortaleza.
Ao trazer essa inquietação, não quero insinuar um protagonismo LBTI+ quando se trata da violência contra a mulher, mas compartilhar o entendimento de que a superação dessa questão social passa — necessariamente — pelo reconhecimento da pluralidade das mulheres e das formas como o machismo lhes impõem violência.
Em suma, um Agosto Lilás trans-excludente e que silencie expressões de violência de gênero como aquelas denunciadas pelas mulheres lésbicas e bissexuais no SENALE será desbotado, precisará de mais cor para avançar concretamente.
Sigamos então em defesa da Lei Maria da Penha, comemorando as suas conquistas e dando um viva aos movimentos sociais organizados de mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais que combatem diariamente a opressão contra todas as mulheres, todas! É que para soprar as velas, meu povo, vamos ter que acender o fogo.