Vivemos imersos numa sociedade do desempenho, galgada nos ares do capitalismo e com constantes buscas pelas melhores performances. Já era assim há tempos. Agora, com as redes sociais, essa espécie de corrida só nos deixa ainda mais acelerados, rumo a um tempo o qual nem conhecemos, em caminhos que não sabemos exatamente onde vão dar. A mente dói, o corpo adoece - e vice-versa.
E então, sem perceber que o presente está aqui, nos angustiamos com o futuro, numa série de expectativas que parecem muitas vezes corroer a alma. Quantos de nós, pelo menos uma vez na vida, não ficamos à deriva no mar dos nossos próprios pensamentos, criando esperas pelo quê não sabemos o que é? O que será?
Essa reflexão vale para tantos quantos forem os nossos setores de vida, mas hoje, especialmente, se volta a quem fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 e não alcançou a pontuação sonhada. E aí a mistura de sensações, para muitos, é tanta que variadas são as expressões de agonia. Inclusive os silêncios, quando o verbo não dá conta de narrar o sentir.
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E agora? O que fazer? Quem sabe… Esse texto não vem para trazer respostas concretas, indicações de caminhos a seguir ou elucidar uma fórmula pronta para a vida dar certo. Até porque dar certo é uma questão de perspectiva. Aqui acolhemos os tantos sentidos de quem nem sempre alcança as metas que nos são impostas e que atravessam os nossos planos - por que não nossos sonhos?
Nessa mesma sociedade capitalista do desempenho, e cansada, é exaustivo, mas imprescindível não transformar todos os nossos sonhos em metas de vidas, milimetricamente calculadas, em caminhos prontos, em padrões de conquistas. Sim, porque vivemos em um país socialmente injusto, que não consegue acolher os sonhos de tantos de nós.
E por isso nossos planos algumas vezes são frustrados, em meio a diferentes condições nas quais estamos inseridas - levando em conta questões sociais, emocionais, físicas, etc.
Então, muitas vezes nos vemos entre formas preparadas, tentando encaixar nossos sonhos, planos, desejos, nesses módulos de concreto, sob o risco de superficializar o que sentimos. No entanto, sentir não tem modelo. E nesse, digamos, pacote, nos submetemos a muitos outros riscos, como o de cair na tentação de arrasar com a nossa própria autoestima, nos achando, até, menores, incapazes, acomodados. E nem sempre isso é a resposta certa. Nem sempre.
Ainda assim, diante de alguns acontecimentos da vida, corremos o risco de sair de nós mesmos, acreditando em projetos alheios que não respondem aos nossos anseios.
E perder-se de si é o maior dos prejuízos, porque, diferentemente de provas, concursos, casamentos, viagens e tantas outras concretudes, o desencontrar-se pode ser dor que atravessa as nossas incontáveis outras idealizações de vida, aquelas que não são apenas e necessariamente metas, são muito maiores porque transpassam nossas almas, porque são sonhos de vida.
Quando os nossos planos não dão certo, a gente tende a ir atrás de culpados, respostas, certezas. Qualquer mínima forma de controle que nos ajude a lidar com o incômodo de precisar, talvez, rever rotas. É o caminho mais fácil. Mas também pode doer igual ou tanto mais do que lidar com desapontamentos. Dores passam, angústias se transformam e caminhos se refazem, sim. Mas, já diria o Clube da Esquina, “sonhos não envelhecem”.
Ir ou ficar, continuar tentando ou mudar de rota não tem que ser uma lição aprendida pela cartilha de ninguém. Cada pessoa tem seus caminhos, esses que nos fazem exatamente quem somos. E quem somos? Sujeitos muito além de um plano. Somos seres com sentidos múltiplos, materiais e imateriais, de se fazer acreditar-se. Em sentidos literais dos nossos verbos, dar novos créditos a nós mesmos, acolher-se como humanos que somos, um dia de cada vez, parece ser uma boa escolha.