Estamos tão adaptados às generalidades da rotina que sair das nossas zonas de confortos territoriais, onde nossos olhos estão automaticamente acostumados a não reagirem aos absurdos, nos faz esquecer, por tempos, a enorme dinâmica dessa pluralidade de seres que habitam os lugares de existências das cidades.
Sem tempo ou espaço, ora físicos, ora simbólicos, para refletir, custa-nos lembrar que, de janela em janela no meio da rua - entre casas, barracos e prédios - há pessoas em suas microexistências. E quem são elas? Quem sabe…
Exatamente na semana em que o Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trouxe as atualizações populacionais sobre as cidades do Brasil, experimento existências nas duas capitais com maior densidade demográfica do país, sentindo e divagando sobre o fato de que, agora, Fortaleza ultrapassou São Paulo neste índice, que mede o número de pessoas por quilômetro quadrado num município.
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As cidades mais povoadas do Brasil - a pesquisa não mostra, é claro, mas sempre que ouço falar em muita gente, eu penso: quantos instantes de amor, dor, conquistas e dúvidas existem espalhados por aí. Quem dá conta? Me perco.
E cada vez que saio dessa minha Fortaleza e chego a São Paulo é também automático em mim comparar as duas cidades e também esses fenômenos que aqui chamo de microexistências. Uma das representações que vem a mim, nessas reflexões-devaneios, é a presença das janelas nas ruas da capital paulista.
Eu, que muito gosto tenho por janelas, sou tomada pela quantidade delas, a diversidade e como estão amontoadas, lado a lado, frente a frente ou acima e abaixo uma das outras. Aglomeradas e aglomerando.
São janelas de barracos e barracas, casas e prédios históricos, fachadas recém-erguidas, superprédios, que inevitavelmente me levam, entre quimeras e comparações, para dentro desses lares - ou escritórios de vida.
É quando, olhando uma janela de lona, imagino a microexistência da mulher em situação de rua nas barracas viadutos acima e abaixo; o vitral que leva uma faixa almejando de esperança e dias melhores ou as tantas outras janelas coladas entre as vias ora revoltantes, ora apaixonantes de São Paulo.
Imagino quais janelas guardam os garçons da meia noite, os motoristas da madrugada e aquela que deveria abrigar o homem que pedia pão na calçada ou a mulher que seguia apressada de salto fino e casaco engomado no frio do Centro de lá.
Quais dessas venezianas eternas abrigam as solidões e multidões desse montante de prédios e casas da São Paulo infinita, aquela onde várias vezes já fui e tão pouco conheço.
Ainda olhando as janelas, estruturas pelas quais tenho muito gosto em olhar - talvez pelas metáforas de liberdade e abrigo que nos remetem - vou, venho e volto a Fortaleza. Cidade cada vez mais lotada de gente, mas nem tantas janelas como a outra. Impossível não remontar comparações a cada viagem.
Lembro-me, e dou a volta no quarteirão do Centro da capital cearense, ou mesmo o da orla enfei(t)ada de obras, para ver e rever também as inúmeras janelas, e imaginar o que há por dentro, e que paisagens os afetam. Nos afetam?
Eu que muito penso, a todo instante, sempre me pergunto quantas paisagens há em uma janela que fica de frente ao nascer do sol em Fortaleza, considerando seus ângulos, e como essas paisagens se voltam para dentro de quem as olha, as afetam de alguma forma - ou forma nenhuma.
O que sentem as pessoas que moram de frente pro mar, e que têm uma paisagem, se olham de frente - paraíso -, ou veem o seu contrário, se olham para as calçadas abaixo.
Me questiono se nos afetamos da maneira ideal com as microexistências de quem pouco vemos na vida, de quem não conseguimos enxergar e de quem todos os dias senta na cadeira ao lado. Eu não tenho respostas, mas gosto de imaginar histórias, personagens, amores e infinitos - isso às vezes cura, às vezes dói.
A sorte é que, muitas vezes, e que bom, me perco. E começo tudo de novo, em qualquer uma das duas cidades abarrotadas de microexistências, que, inevitavelmente, me fazem pensar (e tanto sentir).