Já são onze horas, de noite. As luzes apagadas na praça do condomínio acendem ainda mais as estrelas que agora parecem saltar alvoroçadas de um céu, o telhado das nossas vidas. Descobertas? Daqui de cima, do alto dos meus privilégios, diante do que tenho, do que sinto; do tanto que sei, abaixo a cabeça para encarar o movimento que faz da noite o cenário e o silêncio da expansão que se cria entre a travessia que há quase seis meses temos cumprido: o amor e a dor do tempo.
Aqui, receio permanecer imóvel, inerte num mundo em que as revoluções estão latentes, fervilham, antes de tudo, por dentro de nós. É um medo de não atender aos gritos de alerta, de não invadir os [nossos] espaços, abrindo portas que ainda permanecem trancadas, apesar de todas as janelas já escancaradas pelos nossos desejos. Permeneço vendo nossos silêncios virarem, primeiro gritos, depois mantras, por meio dos quais desatamos os nós dos nossos avessos. Identidades em confronto de si.
Estamos perto demais de tudo que precisamos para reverter uma incômoda e descabida calmaria diante da pressa que ainda temos por liberdade. Dignidade de sentir o peito bater conforme nossas próprias escolhas. Ninguém pode calar os nossos corações, porque a alma tem seu próprio verbete e quando grita, risca muros e mundos inteiros.
Ainda estou aqui...
Nesse mundo paralelo, que nasce com os isolamentos dos nossos sentimentos, resistir à paralisia de nós mesmos - dos nossos - já é estar em batalha pelo movimento de nos fazermos outros sem a menor necessidade de sairmos de quem somos. Sim, ainda somos imensidão. E nossas ideias de amor são as verdadeiras revoluções.
Da minha varanda, abarrotada de plantas, atravessada de sonhos, entre a luminária amarelada que me tira desse tempo - levando-me ao paraíso das memórias - escuto apenas o ranger da velha cadeira de balanço. Já sou eu quem está sentada, num vaivém infinito que vigia apenas o que há por dentro de mim. Já não vejo mais o que está lá fora, o que está em mim é imenso demais.
Há momentos nos quais a escrita não nos traduz. Então fotografo fragmentos de vidas, de coisas. De luzes. Embaço uns e outros sentidos porque não há tradução verbal para as revoluções que precisamos viver nesse tempo em que a espera é nossa rotina. Tanto que olhar para o vaso de flores nos faz mudar de lugar todos os móveis da sala, abrir espaço num quarto apenas para meditar. Rasgar a janela, no dia de folga, para ver o sol nascer.
Noto que as palavras não se acabam nunca. Elas viram silêncios concretos, daqueles que transformam: a porta da geladeira, a parede do quarto, a mandala que hipnotiza e enche de opções nossos dias. As xícaras de café que agora se multiplicam, o ruído da panela de pressão que invade nossas vidas com seus cheiros e barulhos. São tantos barulhos de vida... microrrevoluções da solidão das nossas saudades, que se desdobram no que há de transformador, na dor e no amor que só o tempo sabe nos dar.