Conheça Diandra Ferreira, a brasileira chefe de maquiagem de Heartstopper

Legenda: Diandra no set retocando a maquiagem de Will Gao, que interpreta Tao Xu
Foto: Arquivo Pessoal

O cabelo azul chama a atenção, mas é a simpatia de Diandra Ferreira que cativa. Aos 34 anos, a brasileira colhe os frutos do sucesso por ter chefiado a equipe de cabelo e maquiagem de Heartstopper, série fenômeno da Netflix.

O percurso até aqui começa em 2011, quando Diandra concluiu a faculdade de cinema na PUC no Rio de Janeiro e começou a trabalhar como assistente de direção. “Não era exatamente o que eu queria. Pensei em seguir uma área mais criativa, me aproximei de equipes de maquiagem e, como sempre tive vontade de sair do Brasil, decidi estudar fora”, conta.

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A mudança aconteceu em 2014 e o destino escolhido foi o Reino Unido. Diandra estudou, durante um ano, em uma escola focada em cabelo e maquiagem para a indústria audiovisual. Determinada a acumular experiência profissional ainda durante o curso, Diandra começou a fazer trabalhos de graça para alunos da escola de cinema que funcionava no mesmo prédio onde estudava.

“Eu praticamente não tinha vida social. Fazia aula de segunda a sexta e nos fins de semana fazia os curtas pro pessoal da escola de cinema. Eu me oferecia pra fazer a maquiagem, só pedia para pagarem o transporte e o material. Assim fui fazendo contatos”.

Entrar no mercado

Fazer contatos é a primeira dica que Diandra deixa para quem pretende seguir na área, seja no Brasil ou no exterior. “Me considero sortuda. Por mais que aqui tenha uma indústria maior do que no Brasil, existem mais produções acontecendo, mas é difícil entrar. É tudo muito por recomendação. E eu encontrei pessoas, quando estava no comecinho, com quem criei um bom relacionamento”.

As boas recomendações foram continuando à medida em que Diandra correspondia às expectativas. “Toda produção que vinha eu pegava. Não tinha coisa de ser longe, acordar 4 da manhã, eu dava um jeito”.

Legenda: No dia da gravação do festival de esportes, a produção organizou um "pride day" com bagels coloridos, simbolizando o arco-íris
Foto: Arquivo Pessoal

Depois de entrar, é preciso conseguir se manter no mercado, que, de início, não remunera bem. “Na minha escola diziam ‘pelo menos um ano de trabalho sem pagar você vai fazer’. É impossível isso. Eu fiz o meu ‘work experience’ enquanto estudava, então assim que terminei de estudar já peguei trabalho, mal pago, mas pago”.

Abrir caminho

Aos poucos, e com o conhecimento e a prática adquiridos com o cinema, os resultados foram surgindo e a vontade de compartilhar a experiência também.

“Tento dar oportunidade para pessoas que estão começando na carreira e vejo que muitos trainees que vêm trabalhar comigo não entendem como é que funciona um set de filmagem. Isso é uma crítica que tenho até hoje em dia. Acho que falta muito nos cursos de maquiagem entender o mundo do cinema, como funciona, o que cada pessoa faz dentro de um projeto. Como eu tinha experiência, chegava no set e avaliava as condições. O pessoal dizia ‘ela sabe do que tá falando’, isso me ajudou muito no começo”.

Depois de começar, informalmente, a orientar iniciantes durante os projetos, Diandra se prepara para dar mentorias com esse objetivo, através do sindicato para profissionais de cinema e tv no qual se filiou.

Diz que não sabe ainda se quer trabalhar em sets para o resto da vida, “a gente trabalha umas horas bizarras”, confessa. E como sempre gostou de dar aulas, as mentorias são uma possibilidade que vai começar a explorar. “Eu gosto e faço naturalmente. Tem uma geração mais antiga de maquiadores que diz que, porque aprendeu a duras penas, os outros têm que sofrer. Gente, a vida já é difícil como é, vamos nos ajudar, vamos passar para os outros o que a gente sabe”.

Heartstopper

Por enquanto, o próximo set de Diandra já está garantido. A segunda temporada de Heartstopper deve começar a ser gravada em meados de setembro. “Eu ainda não tô 100% inteirada do que vai acontecer. Peguei os volumes três e quatro pra lembrar, mas estamos super empolgados”, conta.

Heartstopper é uma coleção de quadrinhos escrita por Alice Oseman, com quatro volumes, que conta a história de amizade e amor de Nick e Charlie e que retrata as questões LGBTQIA+ na adolescência com um olhar positivo e emocionante. Adaptada para a Netflix, a série virou um fenômeno de audiência, com inúmeras críticas positivas, e já foi renovada para mais duas temporadas.

Foi um amigo produtor que indicou o projeto para Diandra. “Ele insistiu. Eu li o roteiro e chorei, foi feito pra mim”.

Determinada a conseguir o trabalho, Diandra foi para a entrevista já levando ideias para a caracterização dos atores. Poucos dias depois teve a resposta positiva e começou a se preparar para o desafio de tornar o elenco ainda mais parecido com os desenhos dos livros. “Isso foi uma coisa presente em todos os departamentos, sempre honrar os fãs e não tirar deles a oportunidade de ver os personagens dos quadrinhos, que eles amam, criados em pessoas”.

Diandra liderou uma equipe com mais quatro profissionais. O resultado final gerou tanta repercussão que há quem diga que os protagonistas Kit Connor (Nick) e Joe Locke (Charlie) nasceram para os papéis.

Foram muitas reflexões para identificar as necessidades e aliar à viabilidade de execução dentro do projeto. “O cabelo do Kit não é exatamente da cor do cabelo do Nick no quadrinho. O dele é mais avermelhado e o do Nick é mais um loiro acinzentado”, conta Diandra, que avaliou a possibilidade de pintar o cabelo do ator.

“A gente teria que pintar uma vez por semana. Talvez a cor, mesmo que certa, não vai combinar com o tom de pele dele, que é de ruivo. Teve todas as discussões sobre qual é a praticidade disso e a real importância disso. A gente consegue criar esse personagem com o styling do cabelo, com um corte que funciona, pra dar a essência do personagem. Não estamos falando de alguém que tem cabelo preto e o personagem tem cabelo loiro. Ele é loiro, só que é avermelhado”.

Legenda: Diandra no set no último dia de gravação
Foto: Arquivo Pessoal

No caso de Charlie, o personagem começa com o cabelo um pouco mais longo e depois corta. “Naquela época, o cabelo do Joe estava praticamente do tamanho que é na série. E aí a gente pensou: vale a pena botar uma peruca pra fazer o cabelo mais comprido, pra justificar ele cortar em algum momento? A gente não tem tempo ilimitado, dinheiro ilimitado, tem que ver o que é que funciona pra criar esse mundo visual que funcione com o quadrinho e com as nossas limitações de cronograma também”.

Com bom humor, Diandra comenta sobre o cabelo de Will Gao, que interpreta Tao Xu. “Esse gerou polêmica!”. É o look que mais difere do personagem do quadrinho, mas ela defende o conceito, também pensado para combinar com o ator. “Eu tinha certeza que era esse cabelo. Vi alguns comentários, mas a equipe disse pra deixar de lado, todo mundo adorou, a Alice adorou”.

Das boas lembranças que guarda do set, Diandra ressalta o dia em que fizeram um “pride day”, o dia do orgulho LGBTQIA+, quando gravaram as cenas do festival de esportes. “Tinha bandeira pra todo lado, todo mundo pintado, um dos meninos da nossa equipe veio de drag. Tava calor, todo mundo tomando sorvete, foi muito gostoso”.

Destaque também para o ambiente nas gravações. “Todo mundo tava ali sabendo que era um projeto especial e dando de tudo para que fosse uma experiência muito boa pros atores. Foi a primeira experiência profissional de grande parte do elenco, foi importante tornar aquilo um ambiente agradável para eles, seguro pra que pudessem se expressar e dar o melhor de si. Ainda mais que estávamos filmando e tinha muita restrição de covid, tinha estresse de testes, máscaras, viseiras”.

Ela fala com carinho sobre o sucesso do elenco. “Vejo as ‘crianças’ lá postando em fashion weeks, saindo em capa de revista, não vejo a hora de encontrar com eles de novo. Dá um sentimento de que soltei os filhos pro mundo”.

Sobre a série, a brasileira lamenta não ter tido, durante a própria adolescência, um produto que apresentasse o mundo queer com um enfoque diferente do que é visto na mídia em geral.

“É importante ter as histórias mais pesadas, a gente ainda vive em um mundo muito intolerante e pessoas LGBTQIA+ ainda sofrem muito, mas também precisamos dizer que queremos um mundo mais tolerante, tranquilo, que aceita. Heartstopper é um pouco utópico, mas é o que a gente quer ver. É importante ter isso representado. Que isso inspire as pessoas a tratarem os outros de forma mais humana”.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora



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