Saiba quanto tempo realmente leva para criar um hábito e veja dicas para superar frustrações
Incorporar à rotina atividades que previnem doenças crônicas, como a prática de exercícios, pode ser um desafio e levar mais tempo do que se espera — e, sim, conforme a ciência, os 21 dias são um mito

Ir à academia, ter uma alimentação balanceada, beber a quantidade recomendada de água ou usar fio dental diariamente são exemplos de hábitos saudáveis e que podem prevenir doenças crônicas. Apesar de parecer simples, incorporar práticas como essas à rotina pode ser uma jornada frustrante, demandando paciência, persistência e, às vezes, mais tempo do que se espera — e, sim, conforme a ciência, os 21 dias para formar um hábito são um mito.
Primeiro, é importante detalhar o que é um hábito. Apesar de ser geralmente usado como sinônimo de comportamento frequente ou rotineiro, para a psicologia, o termo "hábito" significa mais do que somente fazer algo com frequência; é uma ação que se tornou automática e é desencadeada por gatilhos (pista contextual), demandando menos esforço consciente e motivação.
Lavar as mãos (ação automática) após usar o banheiro (pista contextual) ou colocar o cinto de segurança (ação) ao entrar no carro (gatilho) são exemplos de práticas que seguem essa definição.
Mas como tornar atividades que previnem o sedentarismo, a obesidade e doenças, como exercícios físicos e reeducação alimentar, um hábito? E em quanto dias isso realmente pode acontecer? Baseada em evidências científicas, a coluna reponde essas dúvidas, além de apresentar dicas de como integrar uma ação saudável à rotina.
21 dias e o tempo real para formar um hábito
A popular hipótese de que leva três semanas para solidificar um hábito aparentemente surgiu do livro de autoajuda "Psicocibernética" do cirurgião plástico Maxwell Maltz, publicado em 1960.
Ao observar que os pacientes levavam esse período para se adaptar psicologicamente à nova aparência, ele escreveu a obra defendendo que o intervalo poderia se aplicar a outros contextos, como se acostumar com uma nova casa após uma mudança de endereço.
A psicóloga clínica Alana Ricarte, especialista em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), explica que a hipótese de Maltz ressoa ao oferecer uma solução imediatista a um problema complexo. "A ideia de que 'precisamos de 21 dias' para criar um hábito é bastante popular, especialmente em uma sociedade que prega e busca receitas prontas e métodos infalíveis".
No entanto, uma revisão sistemática de 20 estudos sobre a formação de hábitos saudáveis, publicada ano passado pelo jornal especializado Healthcare, contesta o médico e reafirma o que já tinha sido revelado por outras pesquisas científicas: desenvolver um novo hábito saudável pode levar, em média, de 2 a 5 meses, podendo variar ainda de 4 dias a quase um ano.
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8 fatores que ajudam a formar hábitos
Tanto Alana Ricarte quanto estudos sobre o tema destacam que o tempo para incorporar uma ação à rotina muda de uma pessoa para outra. Porém, ambos destacam haver fatores que podem influenciar esse processo. São alguns deles:
- Frequência — o processo de formação de hábitos saudáveis prospera na consistência e na repetição de uma atividade. Então, quanto mais vezes a atividade é realizada, há mais chances dela ser incorporada à rotina. Por exemplo, uma análise revelou que pessoas que vão à academia pelo menos quatro vezes por semana têm mais chances de automatizar o exercício físico do que as que vão menos;
- Momento do dia — pesquisas apontam que, em média, praticar algo pelo turno da manhã tem mais chances de se tornar um hábito do que quando o indivíduo realiza a atividade à noite;
- Tipo de hábito — comportamentos mais simples, repetitivos e com recompensas imediatas são mais fáceis de automatizar. Por exemplo, é mais fácil e rápido tornar o uso de fio dental parte da rotina, por ser menos complexo e proporcionar alívio instantâneo, do que o exercício físico, que demanda mais tempo e oferece resultados a longo prazo;
- Contexto — o ambiente no qual o comportamento é praticado desempenha um papel importante. Hábitos formados em contextos estáveis e consistentes têm maior probabilidade de se concretizarem. A presença de reforço social e rotinas preexistentes também influenciam a velocidade da automaticidade;
- Motivação pessoal — atividades autosselecionadas possuem mais chances de se tornarem automáticas do que aquelas atribuídas sem a escolha do indivíduo;
- Gatilhos — associar um disparador a uma atividade reduz o esforço consciente do cérebro. Por exemplo, deixar roupas de ginástica à vista pode atuar como um lembrete visual para caminhar. Já gatilhos como academias distantes, valores altos de mensalidade, horários difíceis de cumprir podem ser elementos dificultadores;
- Recompensas — realizar algo que proporciona uma sensação de bem-estar ou satisfação faz o cérebro liberar neurotransmissores, como a dopamina, aumentando a chance da atividade se consolidar como um hábito. Em atividades que trazem reforço a longo prazo, como exercício físico, o cuidado precisa ser maior. A dica é observar outras consequências da ação, como orgulho por ser consistente;
- Paciência e persistência — não se cobrar demais e nem exigir perfeição. Pequenos passos consistentes tendem a ser mais eficazes do que tentativas de mudanças radicais.
“Força de vontade não é tudo. Na verdade, o que realmente faz a diferença é o ambiente ao seu redor. Moldar o espaço para facilitar a execução diminui obstáculos e aumenta as chances de sucesso”, complementa a psicóloga.
Supere frustrações persistindo e alinhando expectativas
A jornada para a formação de um hábito saudável pode ser preenchida por êxitos e fracassos. Às vezes, é possível que uma pessoa pratique execícios físico três vezes por semana por cerca de três meses, mas interrompa o ciclo ao ficar doente, por exemplo. Então, apresente dificuldade para retornar ao ritmo e fique desmotivada.
No entanto, como explica Alana Ricarte, deixar de realizar algo por alguns dias não significa um retorno a estaca zero. Na verdade, o cérebro consegue retomar o hábito com facilidade, desde que o ambiente e os gatilhos estejam alinhados e favoráveis e a intenção de mudar permaneça.
“Um dos pontos mais importantes para estabelecer qualquer hábito é o alinhamento com valores pessoais. Quanto maior a afinidade, desejo e contexto com o objetivo traçado, mais elementos teremos para trabalhar a persistência e tolerância à frustração — tão comum e esperado no início de qualquer nova atividade. Se perguntar o motivo e conseguir identificar prazer na consolidação do hábito alvo pode ser crucial”, destaca a especialista.
Outro fator apontado como importante para a jornada da formação de um hábito saudável é alinhar expectativas. Segundo a meta-análise publicada no Healthcare, ter conhecimento de que o período médio para tornar uma atividade automática não é de 21 dias, mas sim de 66 a 154 dias pode auxiliar o indivíduo a ter planos realistas sobre tempo e performasse.
Como perder um mau hábito
Persistir, ter resiliência e paciência também são dicas para perder um hábito não saudável, conforme cita a psicóloga.
“Assim como não podemos definir um tempo exato para estabelecer hábitos saudáveis, a retirada de antigos padrões de comportamento também não apresenta uma regra temporal fixa. Muito mais importante que o tempo será a compreensão — individual — da função que este antigo comportamento exerce, qual prazer está associado e uma definição consciente de estratégias de mudança e compensação”.
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