Endividada, Fortaleza corre o risco de não obter mais financiamentos com garantia da União; veja impactos

Ameaça existe porque o município pode ter a nota rebaixada no indicador de capacidade de pagamento (Capag) do Tesouro Nacional, caso não equilibre suas finanças

Escrito por
Bruna Damasceno bruna.damasceno@svm.com.br
Legenda: A Secretaria Municipal das Finanças (Sefin) fica no Centro de Fortaleza
Foto: Divulgação

Com o caixa quase zerado, Fortaleza corre o risco de não conseguir mais financiamentos para investir em áreas como saúde, educação e infraestrutura em 2025. A ameaça surge devido ao comprometimento de 96,19% de toda a receita do município no ano passado, o que pode rebaixar a nota da Capital no indicador de capacidade de pagamento (Capag) do Tesouro Nacional. 

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Atualmente, a Capital cearense possui nota "B" no índice em questão. Conforme a metodologia adotada pelo órgão, as notas “A” e “B” possibilitam a contratação de empréstimos a juros baixos e com garantias da União, enquanto as notas “C” e “D” indicam “alto risco”, tornando as cidades e estados inelegíveis para obtenção de crédito.

Segundo o prefeito Evandro Leitão (PT), o indicador deverá passar por nova avaliação em abril, mas é provável haver alteração para a categoria "C", considerando as "frágeis condições econômicas" encontradas na gestão anterior. 

Por isso, afirmou, neste primeiro ano, o foco será "ajeitar a casa e ter um equilíbrio econômico e financeiro". A declaração foi dada em entrevista à Rádio Verdinha (92.5), na última terça-feira (5). Anteriormente, Leitão já havia informado que a dívida atual da Prefeitura é de R$ 4,6 bilhões, também uma "herança" da antiga administração, segundo ele.  

De acordo com Manuel Salgueiro Rodrigues Júnior, coordenador do Observatório de Finanças e Orçamento Público (Obfio) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a Capag é um das principais métricas da União para avaliar a saúde financeira dos entes públicos, impactando diretamente a capacidade do município de arcar com suas obrigações.

"Se fizéssemos uma análise comparativa, seria como se o município de Fortaleza não tivesse condições de ir a um banco contratar um financiamento ou um empréstimo. Ele perdeu, por assim dizer, o avalista; é como se não houvesse mais uma pessoa para garantir, no caso da ausência de recursos financeiros da cidade”, ilustra. 
Manuel Salgueiro Rodrigues Júnior
Professor e coordenador do Observatório de Finanças e Orçamento Público (Obfio) da Uece
 

Capag: como está a situação de Fortaleza 

Conforme estimativa do Tesouro Nacional, com base nos resultados de 2024, Fortaleza encerrará o ano de 2025 com nota C na Capag. O principal problema está no comprometimento de mais 96% da receita (ver imagem abaixo), gerando desequilíbrio no caixa, conforme explica o professor Manuel. 

Notas Capag
Legenda: Veja a estimativa para 2025
Foto: Reprodução Tesouro Nacional

“O indicador II (poupança corrente) relaciona a despesa com a receita corrente, ou seja, as despesas de custeio e as receitas normalmente arrecadadas. Pelos dados, elas estão praticamente empatadas, quase não há caixa”, esclarece. 

A nota foi atualizada pela última vez em 21 de outubro do ano passado e ainda passará por revisões, podendo alterar o resultado. 

Quais os impactos da queda da nota Capag para Fortaleza

O professor Manuel sublinha que a redução da Capag limita a captação de recursos por municípios e estados, especialmente no Exterior.

"A reforma do Parque Raquel de Queiroz, por exemplo, foi basicamente financiada com recursos externos do Banco Mundial. A melhoria daquela infraestrutura urbana de Fortaleza só foi possível pela contratação dessa operação de crédito. Se a nota cair, isso não será mais possível, até a reversão do quadro", exemplifica.
Manuel Salgueiro Rodrigues Júnior
Professor e coordenador do Observatório de Finanças e Orçamento Público (Obfio) da Uece

Ou seja, a queda da nota da Capag gera fortes impactos negativos, inviabilizando o aumento da capacidade em diversos investimentos públicos, que precisarão ser cancelados ou adiados.

Questionada se há financiamentos futuros com o Banco Mundial e outras instituições financeiras que poderão ser adiados por esse motivo, a Secretaria de Finanças (Sefin) enfatizou que "as operações de crédito junto às instituições financeiras, uma vez já contratadas pela Prefeitura de Fortaleza, não poderão ser suspensas por consequência da Nota C da Capag".

"Com a nova classificação, poderá haver o impedimento de novas contratações de bancos com a garantia da União, tornando o processo de captação de recursos junto às instituições financeiras mais limitado e oneroso", completou, em nota. 

O que pode ser feito para reverter esse quadro

O professor Manuel pondera, contudo, que o quadro de redução da nota não seja definitivo.

“Pelo contrário, é um quadro reversível. A arrecadação maior, que deve ocorrer agora, no primeiro trimestre do ano, deve ser acompanhada por uma contenção dos gastos, e isso vai facilitar a vida do município”, avalia.
Manuel Salgueiro Rodrigues Júnior
Professor e coordenador do Observatório de Finanças e Orçamento Público (Obfio) da Uece

Além disso, algumas medidas são possíveis para melhorar o caixa e puxar a nota da Capag novamente para cima, conforme aponta o especialista. São elas:

  • Renegociação de dívidas;
  • Aumento da arrecadação;
  • Controle rigoroso das despesas;
  • Captação de novas receitas.

O que a nova gestão está fazendo 

Segundo assessoria da prefeitura de Fortaleza, ‘como forma de minimizar esse risco, foi apresentado o Pacote de Medidas de Contenção Orçamentária, no último dia 15 de janeiro, com meta de economizar mais de R$ 500 milhões ao longo deste ano”. 

O plano prevê 12 medidas, incluindo a redução de 20% dos salários do prefeito e secretariado. São elas:

  • Redução de 20% do subsídio do prefeito, da vice-prefeita, do secretariado e dos presidentes (fundação, autarquias, empresas públicas e agências);
  • Suspensão de todos os contratos e serviços não essenciais ou urgentes;
  • Suspensão de licitações de aquisição de produtos e serviços não essenciais;
  • Suspensão da admissão de novos servidores terceirizados;
  • Redução de 30% dos gastos com servidores comissionados;
  • Redução de 25% dos gastos com pessoal contratado por cooperativas;
  • Redução de 50% dos valores das gratificações de Trabalho Relevante, Técnico ou Científico (TTR);
  • Redução de 25% do valor dos contratos de Organizações Sociais que prestam serviços à administração;
  • Suspensão das diárias e horas extras para servidores, terceirizados e colaboradores (Exceto SMS, IJF e Guarda Municipal);
  • Redução de 30% dos gastos com servidores terceirizados;
  • Reavaliação imediata de todos os contratos de locação de imóveis;
  • Suspensão de concessão de apoio, patrocínio ou subvenções de recursos públicos, para realização de eventos. 

Gestão pública também precisa de governança

A situação de Fortaleza neste início de ano exemplifica a importância de uma agenda sustentável na gestão pública. O terceiro pilar da agenda ESG, a governança, define como o município é administrado, orientado por valores éticos e decisões responsáveis, contribuindo para a transparência e eficiência da aplicação do dinheiro público.

Entenda a agenda ESG 2 pontos para você entender
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