Combustíveis do futuro: como o projeto aprovado no Senado impacta a economia no Ceará

Legenda: O Hidrogênio Verde (H₂V) é um gás já usado como fonte de energia para transportes e para a indústria
Foto: Shustterstock

O marco regulatório dos biocombustíveis, estabelecido pelo projeto de lei (n.º 528/2020) que foi aprovado pelo Senado no último dia 5, tem o potencial de alavancar pesquisas e investimentos no Ceará, segundo fontes especializadas. O teor central do texto é incentivar produtos verdes e flexibilizar a permissão da mistura de etanol na gasolina.

A proposta, contudo, ainda será revisada pela Câmara dos Deputados. 

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Dentre os sete pontos propostos na redação, a inclusão de emenda para ampliar prazos para a injeção de energia para microgeração e minigeração tem gerado divergências. Alguns segmentos acreditam haver risco de encarecer ainda mais a conta de luz dos consumidores. No entanto, especialista ouvido pela coluna descarta essa possibilidade (entenda abaixo)

O conjunto de medidas desenvolve instrumentos determinantes para a descarbonização da economia, com ações para a redução das emissões de gases poluentes e incentivos para a produção de alternativas verdes. Por isso, tem sido chamado de "PL dos combustíveis do futuro". 

O setor brasileiro tem vocação para biocombustíveis e o etanol hidratado, fator importante para acelerar a descarbonização no País, até toda a frota de automóveis poder ser trocada. 

Veja os principais tópicos do projeto:

Aumento da mistura de biodiesel e etanol 

Se for projeto for aprovado com as regras atuais, o percentual de biodiesel misturado ao diesel chegará a 20% até 2030, podendo chegar a 25%, a partir de 2031, conforme a definição do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

A nova regra prevê, ainda, a elevação da mistura de etanol na gasolina, passando de 27% para 35%. Portanto, ficará assim:

  • Diesel passará de 14% para até 25%;
  • Etanol de 27% para até 35%. 

Incentivo ao Diesel Verde

O texto também prevê a criação do Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV). Esse ponto tem o intuito de incentivar a produção e a venda desse biocombustível. A cada ano, será determinada quantidade mínima de diesel verde a ser adicionado ao diesel vendido ao consumidor final. 

Para definir esse volume mínimo na mistura, o conselho deverá analisar as condições de oferta de diesel verde, incluídas a disponibilidade de matéria-prima, a capacidade e a localização da produção; o impacto da participação mínima obrigatória no preço ao consumidor final; e a competitividade nos mercados internacionais do diesel verde produzido no Brasil.

Combustível de aviação

O texto cria o Programa Nacional de Combustível Sustentável De Aviação (Probioqav) para projeto incentivar a pesquisa, a produção e a adição no querosene das aeronaves do chamado combustível sustentável de aviação (SAF – Sustainable Aviation Fuel). 

Em 2027 e 2028, operadores aéreos deverão diminuir a emissão de gases do efeito estufa em no mínimo 1% ao ano. A partir de 2029, a meta de redução aumenta um ponto percentual anualmente até 2037, quando deverá atingir pelo menos 10%.

Biometano

O projeto cria o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano, cujo texto estabelece a política de consumo de biometano, obtido a partir da purificação do biogás, ao gás natural. A redação inclui dispositivos para evitar uma pressão dos preços do produto.

Será criado uma meta de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE). A meta entrará em vigor em janeiro de 2026, com valor inicial de 1% e não poderá ultrapassar 10%. Companhias que não a cumprirem estão sujeitas ao pagamento de multa, que pode variar entre R$ 100 mil e R$ 50 milhões. Pequenos produtores e importadores de gás natural estão excluídos dessa obrigação.

Estocagem de carbono

Conforme o texto, empresas autorizadas pelo poder público poderão realizar atividades de transporte, captura e estocagem geológica de gás carbônico (CO₂). A estocagem será exercida por meio de contrato de permissão por prazo de até 30 anos, renovável por igual período se cumpridas as condicionantes.

Foi criado um mecanismo de responsabilidade que requer, no mínimo, 20 anos de monitoramento após o fim da injeção de CO₂ no subsolo. Todas as atividades serão reguladas e fiscalizadas pela ANP, inclusive o encerramento das atividades de injeção de CO2 e o monitoramento pós-fechamento do local. 

Regulação pela ANP

A ANP irá regular e fiscalizar os combustíveis sintéticos, produzidos a partir de rotas tecnológicas, a exemplo de processos termoquímicos e catalíticos, e que podem substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil. 

O texto também será responsável regular a atividade da indústria da estocagem geológica de CO₂ e autoriza a Petrobras a atuar nas atividades relacionadas à movimentação e estocagem de CO₂, à de transição energética e à de economia de baixo carbono.

Pressão na conta de luz

O senador Irajá (PSD-TO) apresentou um destaque para ampliar o prazo para a injeção de energia na microgeração e minigeração, passando de 12 para 30 meses. Para representantes do setor, trata-se de um jabuti. 

No jargão legislativo, o termo é usando quando se acrescenta um tema diferente da pauta. 

3 conceitos resumidos Para não restar dúvida

O que o Ceará ganha com o novo projeto 

produção de hidrogenio verde
Legenda: No centro de inovação, o objetivo é construir uma planta para produção de combustíveis verdes, utilizando o H₂V e a biomassa residual
Foto: Kid Junior

O Ceará tem alto potencial para produzir biogás, além de já sair na frente nas pesquisas relacionadas a biocombustíveis. Inclusive, há previsão da criação de um centro de inovação para combustíveis sintéticos renováveis no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp), na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). 

Conforme a especialista do setor e CEO da HL Soluções Ambientais e Diretora Técnica da Re.minera Ambiental, Laiz Hérida, a aprovação do projeto de lei ajudará a reforçar o protagonismo do Ceará, onde há “um celeiro de soluções energéticas de baixo carbono para o Brasil e para o mundo”.

No entanto, acrescenta, um dos desafios da transição é a disputa por grupo de interesses. “Para a evolução energética ocorrer de fato, todas as fontes e rotas tecnológicas de energia e combustíveis mais limpos são importantes. Por isso, o projeto de lei se apresenta de forma coerente para a mudança necessária para o consumo de combustíveis”, pondera.

Hérida lembra que a cadeia produtiva do etanol, principalmente do combustível para aviação e do biodiesel já estão consolidadas no País. Nesse cenário, a aprovação da proposta proporcionará o aumento da atração de investimentos para o setor, gerando a ambiência favorável para o escalonamento do biodiesel, por exemplo.

Para a especialista e diretora da Energo Soluções em Energias, Marília Brilhante, a indústria do Hidrogênio Verde (H2V) também será importante nesse processo. 

“O texto trata a respeito da substituição do querosene de aviação pelo SAF, considerando que os voos domésticos precisem reduzir a emissão dos gases do efeito estufa em pelo menos 10% até 2037. O SAF, o qual será produzido no Ceará a partir das usinas de H₂V, traz mais uma possibilidade de indústria para o Ceará, pois é melhor que seja produzido próximo da sua fonte primária”, destaca. 

Marília frisa que o programa também incentiva agricultura familiar na produção dos biocombustíveis, gerando empregos e renda para famílias rurais.  

Conta de luz não deve ficar mais cara devido ao 'jabuti', diz especialista 

O projeto de lei dos combustíveis do futuro teve a inclusão de uma emenda proposta pelo senador Irajá (PSD-TO), que defendeu a ampliação do prazo para a injeção de energia da microgeração e minigeração, passando de 12 para 30 meses. 

Para representantes de outros setores, trata-se de um jabuti (termo é usando quando se acrescenta um tema diferente da pauta) para beneficiar o segmento de energia solar. 

Contudo, conforme o ex-secretário executivo de Energia e Telecomunicações do Ceará e presidente da Energo Soluções em Energias, Adão Linhares, prolongar o prazo não implica aumento da conta de luz. 

“A justificativa do texto é de que não faz diferença porque os geradores já teriam direito de inserir essa energia, mas agora poderiam fazer isso em um prazo maior. Portanto, a fonte solar, que era desprivilegiada, teria 30 meses como outras fontes, para usar o que já tinha direito”, esclarece. 

“Agora, não deixa de ser um jabuti porque não tem nada a ver com o propósito do projeto de lei dos combustíveis do futuro. Foi colocada uma emenda para melhorar a vida para o pessoal de geração distribuída, mas isso não tem impacto em tarifa de energia”, pondera. 
Ex-secretário executivo de Energia e Telecomunicações do Ceará e presidente da Energo Soluções em Energias
Adão Linhares

Na redação da emenda, o autor defende buscar "somente a viabilidade fática da operacionalização do projeto para garantir a isonomia aos pequenos produtores de energia solar". "Em síntese, não se busca ampliar o direito, alcançando novas pessoas, mas sim garantir tempo hábil àqueles que já tinham direito ao benefício", diz o documento.

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