Pesquisadores do Ceará desenvolvem bio-óleo para combustível de aviação a partir da casca de coco

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(Atualizado às 14:21)
Legenda: Universidade Estadual do Ceará desenvolveu projeto inovador que pode trazer efeitos positivos para a economia e para o meio ambiente
Foto: Divulgação Uece

O Ceará pode sair na frente na corrida mundial pelo combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Pesquisadores da Universidade Estadual (Uece) desenvolveram um bio-óleo a partir da casca de coco para ser matéria-prima de substitutos do querosene (derivado do petróleo) usado para abastecer aeronaves. 

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A avaliação é de que o produto deve atrair investidores por ser mais competitivo, graças ao potencial local agrícola, além do fator geográfico. Atualmente, o Ceará é o maior produtor do fruto no Brasil, segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022. 

Conforme explica a professora do Departamento de Física e Coordenadora do Laboratório de Conversão Energética e Inovação (LCE+) do Centro de Ciências e Tecnologia da Uece, Mona Lisa Moura, o bio-óleo é extraído a partir de um processo de degradação térmica da biomassa vegetal, chamado de pirólise. 

Por meio desse método, a casca do coco, seja ela verde ou seca, também é utilizada para produzir biocarvão (conhecido como biochar) e um gás de síntese rico em hidrogênio.

Ademais, esse reaproveitamento contribuirá com o descarte correto no Estado. Conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), é proibido depositar casca de coco em aterros sanitários, já que é um material de difícil decomposição, com período estimado de oito a 10 anos para ser degradado, segundo estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Por isso, é necessário fazer a logística reversa (processo de reinserir a mercadoria na cadeia produtiva) para evitar os impactos ambientais negativos. “Esses resíduos são um grande problema ambiental, sendo produzidos em milhões de toneladas”, frisa a professora.  

Por que o combustível sustentável da aviação poderá ser mais barato no Ceará

Equipe de pesquisadores
Legenda: O projeto de Pesquisa Desenvolvimento e Inovação, sobretudo de Pirólise (produção de Bio-óleo, Biocarvão e GNCs) na Uece, conta com a participação da equipe de pesquisadores do LCE+, coordenado pela professora Mona Lisa Moura. Também participam o Dr. Daniel Serra e alunos da Uece, além dos pesquisadores do Laboratório de Hidrogênio e Máquinas Térmicas (LHMT) da Universidade Federal do Ceará, da Embrapa-Ceará, da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No projeto de pirólise de biomassa, a Uece também tem convênio com a Cagece
Foto: Divulgação / Uece

Para a professora Mona Lisa, “o grande problema” da discussão sobre os combustíveis sustentáveis é o “imediatismo de buscar tecnologia fora”, encarecendo o produto com a importação.

“Precisamos desenvolver, criar e tropicalizar para baratear mais, principalmente aqui sendo um polo onde cruzam várias aeronaves”, observa. 
Mona Lisa Moura
Professora do Departamento de Física e Coordenadora do Laboratório de Conversão Energética e Inovação (LCE+) do Centro de Ciências e Tecnologia da Uece

Foi o que a Uece fez: aprimorou uma tecnologia para aproveitar o vegetal onde o plantio é abundante, utilizando ambos de acordo com a realidade do Ceará. Outra vantagem regional competitiva, explica, é custo logístico mais baixo quando a biomassa é utilizada em um raio máximo de 250 quilômetros do local de fabricação.

Além disso, segundo a docente, a unidade piloto de pirólise (máquina para o processo) produzida pela universidade pode chegar a preços inferiores na comparação com os praticados pela China. No laboratório da Uece, ocorre a produção do bio-óleo em volume de até cinco quilos. Portanto, já é possível pensar em escalabilidade para atender à demanda comercial. 

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Portanto, existe uma ambiência propícia para um custo mais baixo, embora ainda não seja possível definir o valor a ser praticado. 
Nessa terça-feira (18), representantes do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp) visitaram a universidade para conhecer a tecnologia. O porto planeja investir US$ 6,5 milhões em um centro de inovação para combustíveis sintéticos renováveis (sem a utilização do petróleo) para a descarbonização dos transportes, incluindo o aéreo. 

Cenário e desafios para o SAF no mercado brasileiro;

Querosene de aviação
Legenda: Querosene de aviação corresponde a 30% do preço da passagem aérea
Foto: Shutterstock

Em 2022, os estados-membros da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci) aprovaram meta global de zerar as emissões de carbono (CO₂) até 2050. Nesse contexto, o SAF é crucial para reduzir a emissão desses gases causadores do efeito estufa em pelo menos 80%, conforme a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). 

Para a professora Mona Lisa, “o grande trunfo do Brasil é a biodiversidade e os biorresíduos (material orgânico de origem vegetal ou animal)”.

No entanto, pondera, essas tecnologias precisam ser incentivadas pelos governos, instituições privadas e públicas. No Brasil, os combustíveis sustentáveis para aviação ainda não são fabricados, mas também já há outros experimentos nesse sentindo, no Rio Grande do Norte, por exemplo.

Nessa segunda-feira (17), na Usina de Itaipu, no Paraná, foi inaugurada a primeira planta piloto do País para produção de petróleo sintético a partir do biogás e do hidrogênio verde, com foco no SAF. 

O equipamento foi elaborado pelo Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBIogás) e pela Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento sustentável. O projeto recebeu investimento de R$ 10 milhões do governo alemão. 

No mercado brasileiro, todavia, as ausências de um marco regulatório e de incentivos fiscais ainda são desafios para a comercialização do SAF. No início deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei (PL) de n.º 528/20, conhecido como programa do combustível do futuro.

O texto obriga as companhias aéreas a usarem o SAF para reduzir emissões de gases de efeito estufa, a partir de 2027. A redação seguiu para a apreciação do Senado. 

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