Um adeus para o Edifício São Pedro

O edifício que parece um navio concretado no asfalto vai desaparecer de Fortaleza, mas deixa a incômoda pergunta de porquê aceitamos que a escolha pelo abandono leve as memórias da cidade

Legenda: Prefeitura de Fortaleza anunciou a demolição do Edifício São Pedro
Foto: Fabiane de Paula

Fortaleza tem um navio no asfalto que logo mais deixará de ser visto. Simplesmente vai deixar de existir, seguindo um fluxo de tantas fortalezas que teimam em acontecer apenas na memória dos seus moradores. Corroído pelo tempo, o navio de concreto vai desaparecer nas mãos da omissão de uma cidade que naturalizou deixar que sua memória morra.

O navio de concreto se chama Edifício São Pedro. Foi erguido nos anos 1950 como o primeiro prédio com mais de três andares na orla urbanizada da capital cearense. Virou um imponente hotel, que ganhou fama no país e hospedou muita gente famosa. O tal do "Copacabana Palace cearense". Branco e majestoso, parecia um navio em terra firme, quando recebia passageiros vindos de terra e mar.

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Mas aí o hotel fechou, e o tempo o acinzentou. Primeiro virou um edifício residencial. Nos anos 2000, lembro de ver as lajes do São Pedro repletas de gente para ver os trios elétricos do Fortal passarem. Com os anos, a maresia corroeu vigas e ferros enquanto famílias sem casa própria o ocupavam e tentavam lhe dar alguma sobrevida em meio à precariedade e aos riscos. 

Desocupa tudo. O São Pedro já não é confiável no seu abandono. Mas o que fizeram por ele todos esses anos? Vimos parte da cidade gritar em seu socorro. Os proprietários deixaram de fazer intervenções. O Governo do Estado revogou a declaração de interesse público no imóvel. O último ato veio com o anúncio do fim, feito nesta semana pelo prefeito de Fortaleza.

"A precária situação da edificação chegou ao limite. Há grande risco de desmoronamento. Os laudos técnicos indicam não ser mais possível a recuperação. Enquanto isso, o imóvel vem sendo depredado e acessado por quem desconhece ou ignora a insegurança", argumentou José Sarto.

O navio de concreto vai desaparecer. Vai-se o São Pedro. A tristeza pelas fortalezas que se vão traz à tona uma pergunta: e o Farol do Mucuripe? Quem o salvará? É outro símbolo das fortalezas ameaçadas - e são tantas. Seguiremos normalizando o abandono? Abraçaremos mesmo este modus operandi de deixar tudo se acabar? O São Pedro vai desaparecer nos próximos 90 dias. Que olhemos para o que ainda é possível preservar, antes de ver mais um superprédio ou uma farmácia serem concretados em cima da história da cidade.

 
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