Um dia para celebrar as Fortalezas que resistem e as que não existem mais

A capital do Ceará é uma cidade camaleoa, para o bem e para o mal. No seu 297º aniversário, uma crônica para rememorar as Fortalezas que ficaram pelo caminho

Para o bem e para o mal, Fortaleza é um tanto quanto camaleoa. Entendi isso depois de muitas idas e vindas à cidade onde vivi a maior parte da vida. Faz 25 anos que vou embora para, anos depois, me sentir sugada outra vez. E costumo me deixar ser tomada pelo desejo intenso de retornar, não sei bem o porquê. Talvez seja a busca pela família, pelo calor, por sentir a vida mais leve em solo alencarino. Por ser tão camaleoa como Fortaleza. Vai saber…

A cidade muda o tempo todo, e quase todo mundo tem uma Fortaleza que não existe mais. É só olhar ao redor. A última casa da Beira-Mar, em demolição. O Riacho Maceió, quase desaparecendo em meio a um mundo de prédios no Mucuripe. O Farol Velho do Titanzinho literalmente caindo aos pedaços, degradado pelo tempo e pela omissão dos governos.

A minha Fortaleza que não existe mais é a centenária Ponte Metálica, com seus quiosques funcionando. Lembro do vento gelado batendo nas minhas pernas enquanto caminhava pela madeira da ponte com meus pais, ainda criança. Gostaria de poder tomar um café ali, tranquila, escutando as ondas quebrarem na praia. Mas não tem mais ponte nem quiosque.

Tenho saudade do vento bagunçando o meu cabelo em mais uma ida à Ponte Metálica com a galera do Colégio da Imaculada Conceição. Atravessávamos o centro a pé para jogar conversa fora na praia. Era como uma aventura na adolescência, uma tentativa de fazer coisas proibidas, ainda que fosse só matar uma aula menos importante.

Pois bem: neste ano a ponte teve sua estrutura desfeita. Deixou de existir e ninguém pode garantir se um dia será mesmo reconstruída. Obras prometidas foram paradas. Nada de novo sob o sol do apagamento das nossas Fortalezas.

Mas já que é dia de celebração, vamos falar também das Fortalezas que perduram. Do vendedor de tapioca que passa de prédio em prédio vendendo a iguaria em pleno Meireles, com a propaganda na base do gogó. Do tilintar da chegadinha, que aguça nosso paladar pelo ouvido como verdadeiro patrimônio imaterial da cidade.

Tudo bem que a quinta do caranguejo é um golpe de marketing, mas todo mundo também tem o seu melhor caranguejo dessa cidade. Ou não? O meu é o do Pipoca, que costumo comer lá na Praia do Futuro. Bem temperado, sem molho melequento e acompanhado do tradicional leite de coco com coentro.

Fortaleza, camaleoa, vamos seguir nossa relação geminiana, instável. Feliz aniversário. Que a maturidade te faça preservar cada vez mais Fortalezas. Que você resista ao apagamento, à especulação imobiliária, à gentrificação. Seguimos aqui para lutar pela tua memória e de quem vive sobre o teu chão.