O “novo” crédito consignado e as preocupações de um economista

Legenda: Os juros do consignado são mais baixos, contudo, não me admira que as taxas de juros do consignado subam
Foto: Natinho Rodrigues

O crédito consignado no Brasil é uma das modalidades de empréstimos que apresentam a menor taxa de juros. Segundo o Banco Central, os juros praticados do consignado são de 29,5% ao ano, em média*. O cartão de crédito rotativo e o cheque especial tem média de juros anuais de 408,8% e 125,0%, respectivamente.

O volume de crédito concedido do consignado no Brasil em fevereiro de 2022 era de R$ 516,3 bilhões. Há dez anos, o montante desta modalidade era de R$ 163,8 bilhões. Ou seja, o montante de crédito desta modalidade foi triplicado em uma década.

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MUDANÇAS NO CRÉDITO CONSIGNADO

Na semana passada, o Senado Federal aprovou a Medida provisória 1.106/2022, que promove mudanças no crédito consignado, e agora segue para sanção presidencial.

As mudanças previstas para o “novo” crédito consignado consistem basicamente em:

  1. Elevar de 35% para 40% a margem de crédito consignado para os empregados sob regime da CLT;
  2. Subir de 40% para 45% a margem do consignado para os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social e do Benefício de Prestação Continuada;
  3. Assegurar que os beneficiários de programas federais de transferência de renda tenham acesso ao crédito consignado, até o limite de 40% (quarenta por cento) do valor do benefício.

PREOCUPAÇÕES DE UM ECONOMISTA

Os juros do consignado são mais baixos, contudo, não me admira que as taxas de juros do consignado subam, em função da necessidade de recalibração dos modelos de risco de crédito das instituições.

Dados recentes já mostram crédito consignado privado com juros de 74,2% ao ano. Acredite, esta taxa é maior que os juros de cheque especial de 6 instituições financeiras no Brasil**. Confira as taxas de juros aqui.

Confesso que fico preocupado com a elevação do percentual de margem do consignado, bem como a inclusão do Auxílio Brasil no público-alvo do crédito consignado, pela sua natureza de transferência de renda, que tem objetivo de prover o mínimo de recursos financeiros.

O mau uso do crédito poderá trazer inúmeros problemas, sobretudo para o beneficiário do Auxílio Brasil, que já passa por uma situação delicada no orçamento, em decorrência da inflação.

Particularmente, me preocupa também o percentual de 40% de margem de consignação no Auxílio Brasil. É um percentual muito elevado, e como economista, não poderia deixar de expor apreensão com a saúde financeira das pessoas.

De todo crédito concedido no Brasil, as pessoas físicas já dominam no mercado de crédito. De cada R$ 100 em dívida total no País, R$ 58,60 estão sob responsabilidade das pessoas físicas. No Brasil, a dívida total das pessoas físicas é de R$ 2,7 trilhões, enquanto aqui no Ceará, o montante é de R$ 64,2 bilhões.

CRÉDITO: REMÉDIO OU VENENO?

O crédito, não tenho dúvida, é o combustível catalisador do progresso da economia, na medida em que permite potencializar o consumo e os investimentos. Entretanto, o crédito deve ser na medida certa, equilibrado e qualificado.

O crédito pode ser a solução para equacionar o orçamento das famílias. Por outro lado, o empréstimo não utilizado de forma inteligente, é o enredo do fracasso financeiro.

Nas minhas aulas, faço sempre a alusão do crédito como um remédio ou veneno, o que diferencia é a dosagem.

As medidas em tramitação, embora os legisladores busquem aliviar o orçamento das famílias, que tentam resolver o problema de forma somente conjuntural, e não como deveríamos atacar, que deveriam ser ações estruturais.

Apenas na seara financeira, a implementação de programas de educação financeira para a população em geral; e a maior competição no mercado de crédito para reduzir os juros, são pautas estruturais e decisivas para as finanças do brasileiro.

Grande abraço e até a próxima semana!

Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

* Média dos juros anuais do crédito consignado INSS, público e privado, no período de 21/06/2022 a 27/06/2022, segundo o Banco Central.

** conforme taxas de juros de 21/06/2022 a 27/06/2022, segundo o Banco Central.



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