Asfalto não é sinônimo de modernidade

Antes de pavimentar uma rua com ele, são necessárias outras estruturas que ficarão ao lado ou por baixo da via

Legenda: Há muitos pré-requisitos para definir o derivado de petróleo como a melhor escolha
Foto: Max Andrey/Pexels

Governar é das tarefas mais difíceis. Nessa esteira, gerir uma cidade e, principalmente, seus problemas, é dor de cabeça na certa. A premissa anterior serve, em princípio, para reconhecer as dificuldades; por outro lado, não apaga as bizarrices e os erros obtusos que gestores públicos insistem em repetir. A miopia técnica mistura-se à ignorância social e resulta, mais cedo ou mais tarde, em agravamento dos problemas urbanos.

Para inserir o leitor no enredo, vou percorrer um caso diferente dos que geralmente costumo frisar, os da metrópole. Quero pensar sobre a ação dos grupos políticos e responsáveis pelos destinos das cidades de menor porte, onde as decisões até parecem inofensivas, mas não as são. Como são muitas as possibilidades, tentarei falar do mais concreto e próximo que a paisagem urbana pode nos revelar: o fetiche pelo asfalto.

Desde que o petróleo e os automóveis tornaram-se patronos da economia mundial e da mobilidade urbana, houve uma alienação e uma crença coletiva de que asfalto significa modernidade, bem estar e desenvolvimento urbano. Meu Deus, quanta tolice. “-Ah, isso é coisa do passado, nossos prefeitos e vereadores mudaram!”. Aí que o ingênuo se engana.

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Nos últimos meses, acompanhei o caso de uma cidade da região metropolitana onde o prefeito e os vereadores de oposição digladiavam-se a fim de provar o quão eram capazes de recobrir com asfalto as suas ruas. O índice de eficiência estava na quantidade de metros cúbicos de borra preta que cada agente político era capaz de espalhar sobre os calçamentos pré-existentes.

Tecnicamente, os “amantes” do asfalto podem defender sua capacidade de facilitar a trafegabilidade e o conforto ao circular sobre rodas. A afirmação em si tem fundo de verdade, desde que.... Há muitos pré-requisitos para definir o derivado de petróleo como a melhor escolha e, nisso, pouco se pensa, pois a ideia é mostrar os feitos da “gestão asfaltadora”.

Antes de pavimentar uma rua com asfalto, são necessárias outras estruturas que ficarão ao lado ou por baixo da via. Asfalto sem sistemas de calçadas e vias para pedestres? Asfalto sem sistema de distribuição de água e captação de efluentes residenciais? Asfalto sem sarjetas e sistema de drenagem? Asfalto sem o tratamento correto das camadas inferiores? Asfalto sem controle do uso do solo e prevenção à ocupação de áreas naturalmente frágeis? Asfalto sem espaços públicos e áreas verdes para o lazer? Para o espaço com esses detalhes, o mais importante foi feito: pintou-se a rua de preto.

Quando chega a quadra chuvosa (no Ceará, chamada de inverno), a água do céu mostra claramente o erro cometido aqui na terra. Não há drenagem e, com o bendito asfalto, as águas correm superficialmente, não infiltrando no solo, com mais violência inundando as casas, os comércios e as cidades pobres.

Sim, cidades pobres! Atingidas pela bênção das chuvas nem se quer comemoram, pois o espírito público dos seus representantes só pensa na suposta modernidade, só pensa no asfalto. Oh, meu Deus! Como estamos atrasados.

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