As zonas litorâneas são espaços sociais concorridíssimos, não à toa morar na praia é um sonho para muitos e realidade para poucos. Seja pela residência das classes média e alta, seja pelas funções de turismo e lazer; os gestores das cidades litorâneas consideram as áreas à beira-mar como legítimas galinhas dos ovos de ouro para a economia e o marketing urbano de suas cidades.
Por essas e por outras, no Brasil há uma corrida generalizada para embelezar e ampliar tais zonas. Na tentativa de concretizar esses objetivos, atualmente, gastam-se milhões de reais em obras na terra e no mar para alargar a faixa de areia que beija os oceanos. As obras e os aterros, além do elevado custo, são geralmente soluções paliativas aos efeitos danosos promovidos pelos próprios gestores políticos e grupos econômicos.
A necessidade de engordar as linhas de costa justifica-se, via de regra, por processo de desgaste que estes mesmos trechos já sofreram ou vêm sofrendo. Nos últimos 70 anos, inequivocamente, o crescimento das cidades litorâneas vem matando a galinha dos ovos de ouro.
Para a industrialização e a construção de infraestruturas portuárias, espigões mar a dentro foram construídos, desembocaduras de rios foram alteradas e manguezais desflorestados. Tudo isso promove uma nova e artificial dinâmica dos sedimentos arenosos; o que resulta na redefinição da alimentação natural das praias. Em outras palavras, a areia não chega à praia.
A construção do porto do Mucuripe, em Fortaleza, e a implantação do Complexo de Suape, em Pernambuco, são exemplos óbvios de projetos a alterar fortemente a zona costeira. Os problemas se multiplicam. Só para citar mais um, em Recife, os ataques de tubarões a banhistas podem, também, ser explicados por estas transformações socioeconômicas.
Em complementação, a incorporação imobiliária tem sua parcela de responsabilidade no comprometimento das orlas marítimas. Construção de condomínios, hotéis e outras formas imobiliárias-turísticas recobrem, fixam planícies e dunas. As areias que migraram pelo vento são barradas pelos imóveis e não encontram mais seu destino natural.
Para piorar, em escala mundial, a elevação contínua do nível médio mar, derivada das mudanças climáticas, indica o quanto as orlas urbanas serão impactadas. Há previsão de que bairros inteiros serão submersos se o mar continuar a subir.
Ironicamente, talvez seja por isso que tanto aqui como em outros balneários a moda à beira-mar é construir arranha-céus de mais de 50 andares. Seriam uma nova muralha que cerca o mar?
Pelo andar da carruagem, lamento pensar que pouca coisa mudará. Diante dos problemas, serão priorizados “remendos” em detrimento de ações efetivas, resolutivas. As orlas e as zonas de praia são bens públicos, áreas deveras frágeis. Suas apropriações socialmente produzidas (lazer, trabalho, moradia) precisam reconhecer e respeitar os limites impostos pela dinâmica natural. Como já aconteceu com a antiga Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema, sem os devidos cuidados, lembraremos das belas praias somente nos nossos álbuns pessoais e nos históricos das redes sociais.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.